"O art. 1.698 trouxe inovação sem precedente no direito processual civil brasileiro: criou hipótese de intervenção de terceiro. Ei-lo: “Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide”.
No livro Regras Processuais no Código Civil, Saraiva, apresentei, em 2004, uma proposta de interpretação deste dispositivo. Mantive essa orientação no v. 1 do Curso de Direito Processual Civil.
De logo, procurei afastar qualquer semelhança entre essa intervenção de terceiro e a denunciação da lide ou chamamento ao processo. Se não há possibilidade de direito de regresso (pois não há direito de regresso de um alimentante a outro; cada um responde pelo que puder pagar e há tantas relações jurídicas de alimentos quantos sejam os alimentantes), não se pode falar nem de denunciação da lide, que o tem como pressuposto fundamental, nem de chamamento ao processo. Se não há solidariedade entre os co-obrigados, também por isso a alusão ao chamamento não se justifica.
O ingresso do terceiro, no particular, não traz qualquer benefício ao réu — suposto devedor. Se ele é parente e tem condições de pagar, o magistrado fixará o valor da sua parcela de contribuição. Se houver outro devedor na mesma classe que também possua condições de arcar com a pensão (outro avô, p. ex.), esta circunstância será trazida como argumento de defesa e certamente será levada em consideração pelo magistrado no momento de fixar o valor devido pelo demandado. Caberá ao autor, na réplica, demonstrar que este outro devedor-comum não tem condições de pagar — exatamente por isso, a demanda fora dirigida apenas contra um dos devedores. Mas, e isso é fundamental, o devedor-réu somente pagará aquilo que ele puder. Se a pensão, a final definida, for insuficiente, poderá o credor-autor promover outra ação de alimentos em face, agora, daquele devedor-comum-terceiro.
Aqui se visualiza a importância do art. 1.698 do CC-2002. Ao que parece, este artigo autoriza a formação de um litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples, por provocação do autor. O autor, que originariamente optou por não demandar contra determinado devedor-comum, após a manifestação do réu, ou, a despeito dela, em razão de fato superveniente, percebe a possibilidade/utilidade de trazer ao processo o outro devedor-comum, para que o magistrado também certifique a sua pretensão contra ele, tudo isso em uma mesma relação jurídica processual. Mas este chamamento é feito pelo autor, até porque se trata de formulação de um novo pedido em face deste novo réu — cumulação objetiva e subjetiva ulterior. Dispensa-se a concordância do réu-originário (art. 264 do CPC-73), tendo em vista que a inovação objetiva não lhe diz respeito. É hipótese de intervenção litisconsorcial (litisconsórcio ulterior) provocada.
A novidade é que, pelo regime do CPC-73 essa intervenção não seria possível — já que se impõe a estabilização subjetiva do processo após a citação (art. 264) e não se prevê hipótese de intervenção de terceiro que sirva a esses propósitos. É inovação alvissareira.
Não se poderia imaginar que o réu (devedor comum inicialmente citado) pudesse trazer ao processo um terceiro em face de quem o autor, e não ele, deveria propor a demanda. É situação, no mínimo, esdrúxula: o réu seria substituto processual do autor, aditando a petição inicial, mesmo contra a sua vontade. E se o autor, realmente, não quiser demandar contra este devedor-comum? Seria obrigado a isso? Como se disse, esta norma veio ajudar o credor da pensão alimentar, e não prejudicá-lo ou criar-lhe embaraços.
Adotaram esse entendimento GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 6, p 455-456; GODINHO, Robson Renault. O Ministério Público como substituto processual no processo civil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 49, nota 54; SILVA, Nelson Finotti. “A intervenção de terceiros sob a luz do art. 1.698 do Novo CC e o Estatuto do Idoso”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2005, n. 119, p. 292; CARVALHO Jr., Pedro Lino. “Da solidariedade da obrigação alimentar em favor do idoso”. Leituras complementares de Direito Civil. Cristiano Chaves de Farias (coord.). Salvador: Editora JUS PODIVM, 2007, p. 293.
Humberto Theodoro Jr. e Cassio Scarpinella Bueno divergiam, porém, dessa orientação: ambos defendem a tese de que se trata de uma hipótese de chamamento ao processo, ainda que remodelada.
O STJ adotou esse entendimento, recentemente. Entendeu que o art. 1.698 autoriza que co-obrigados aos alimentos chamem ao processo outros co-obrigados que não haviam sido demandados: "STJ, 4ª T., REsp n. 964.866/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 01.03.2011, publicado no DJe de 11.03.2011: PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. FILHOS MAIORES E CAPAZES. OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. RESPONSABILIDADE DOS PAIS. GENITORA QUE EXERCE ATIVIDADE REMUNERADA. CHAMAMENTO AO PROCESSO. ART. 1.698 DO CÓDIGO CIVIL. INICIATIVA DO DEMANDADO. AUSÊ NCIA DE ÓBICE LEGAL. RECURSO PROVIDO. 1. A obrigação alimentar é de responsabilidade dos pais, e, no caso de a genitora dos autores da ação de alimentos também exercer atividade remuneratória, é juridicamente razoável que seja chamada a compor o polo passivo do processo a fim de ser avaliada sua condição econômico-financeira para assumir, em conjunto com o genitor, a responsabilidade pela manutenção dos filhos maiores e capazes. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, "o demandado (...) terá direito de chamar ao processo os co-responsáveis da obrigação alimentar, caso não consiga suportar sozinho o encargo, para que se defina quanto caberá a cada um contribuir de acordo com as suas possibilidades financeiras" (REsp n. 658.139/RS, Quarta Turma, relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ de 13/3/2006.) 3. Não obstante se possa inferir do texto do art. 1.698 do CC - norma de natureza especial - que o credor de alimentos detém a faculdade de ajuizar ação apenas contra um dos coobrigados, não há óbice legal a que o demandado exponha, circunstanciadamente, a arguição de não ser o único devedor e, por conseguinte, adote a iniciativa de chamamento de outro potencial devedor para integrar a lide". "
Fredie Didier Jr.
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