quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Teoria da verossimilhança preponderante na formação da convicção do juiz

A notícia abaixo demonstra que  a teoria da verossimilhança preponderante foi aplicada pelo STJ em caso de indenização por acidente com veículo envolvendo o acidentado e a montadora do veículo (relação de consumo). 

A teoria da verossimilhança preponderante como critério de formação da convicção do juiz tem origem no direito sueco e foi alvo de consistente crítica do Marinoni. 

Interessante de se cogitar as implicações com acidente de trabalho, considerando as regras protetivas do direito do trabalho e que influenciam diretamente no ônus da prova e formação da convicção do juiz.

STJ - Mesmo sem perícia, empresa é condenada a indenizar vítima de acidente com veículo
Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a recurso especial interposto pela F. A. S/A. A empresa foi condenada a pagar indenização a um cliente envolvido em acidente de trânsito, mesmo sem a realização de perícia, por aplicação da teoria da verossimilhança preponderante.

O veículo, modelo U., de fabricação da empresa, capotou após a quebra da roda dianteira esquerda. O cliente, então, recorreu à Justiça para que a F. fosse responsabilizada pelo sinistro e pelos prejuízos decorrentes.

Verossimilhança

O exame pericial das rodas de liga leve do automóvel não foi realizado porque não houve instauração de inquérito policial e porque, após a propositura da ação, o veículo não foi localizado.

O cliente, contudo, comprovou que, em momento posterior ao acidente, a F. passou a substituir as rodas utilizadas na montagem do modelo do veículo, mediante recall. O chamamento foi em decorrência da possibilidade de, submetidas a condições extremas, as rodas apresentarem fissuras na parte interna, falha apontada como causadora do acidente.

A sentença condenou a F. a ressarcir as despesas com tratamento médico e a pagar pensão mensal vitalícia, no valor correspondente a 35% da remuneração percebida pela vítima na época do acidente. Foram fixadas ainda compensação por dano moral e estético, de 50 salários mínimos, e reparação a título de lucros cessantes, correspondente à soma das remunerações mensais percebidas pelo autor nos meses de setembro a dezembro de 1990. O acórdão de apelação manteve a sentença.

Recurso negado

No STJ, a F. alegou não haver provas suficientes de sua responsabilidade no acidente. A empresa culpou a vítima, que estaria em alta velocidade e precisou desviar de um animal na via, o que ocasionou a capotagem. Além disso, sustentou que a teoria da verossimilhança preponderante, adotada pelo acórdão impugnado, não pode se sobrepor à teoria do ônus da prova, positivada pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, reconheceu que o acórdão recorrido invocou a aplicação da teoria da verossimilhança preponderante na decisão da controvérsia e destacou a possibilidade de o instituto ser adotado como elemento subsidiário.

Para Nancy Andrighi, beneficiar a parte que ostenta posição mais verossímil é medida compatível com o ordenamento jurídico-processual brasileiro, desde que utilizada para servir de fundamento à superação do estado de dúvida do julgador.

A relatora reforçou a importância da prova pericial, mas entendeu que o tribunal de origem agiu corretamente, pois, “tendo em conta a peculiaridade da situação concreta posta a desate, convenceu-se da verdade dos fatos alegados e julgou procedente o pedido deduzido na inicial”.

Processo: REsp 1320295

Fonte: Superior Tribunal de Justiça


Segundo Marinoni:

"......

2. Críticas às teses de que i) o juiz deve julgar sempre com base na verossimilhança que preponderar e de que ii) a falta de prova capaz de gerar convicção plena ou de verdade implica em uma sentença que não produz coisa julgada material


Algumas doutrinas abandonaram a regra do ônus da prova como critério dirigente da decisão judicial em caso de dúvida. Isso porque, para elas, o julgamento pode fugir da regra do ônus da prova quando existir um grau mínimo de preponderância da prova.

Tais doutrinas aludem a verossimilhança preponderante – a Överviktsprincip na Suécia e a Überwiegensprinzip na Alemanha – para indicar que a convicção pode ser de verossimilhança preponderante3. A lógica dessa tese se funda na idéia de que a verossimilhança, ainda que mínima, permite um julgamento mais racional e mais justo do que aquele que se baseia na regra do ônus da prova.

A admissão de que o juiz está convencido quando a verossimilhança pende para um dos lados praticamente elimina a impossibilidade de convicção e, dessa maneira, o estado de dúvida, que exigiria a aplicação da regra do ônus da prova como método de decisão. Ou seja, se não existe dúvida, não há necessidade de adoção da regra do ônus da prova.

A lógica da verossimilhança preponderante se funda na premissa de que as partes sempre convencem o juiz, ainda que minimamente, o que é totalmente equivocado. O juiz não se convence quando é obrigado a se contentar com o que prepondera. Deixe-se claro que a teoria da verossimilhança preponderante não se confunde com a possibilidade de o juiz reduzir as exigências de prova ou as exigências de convicção a partir de uma particular situação de direito material. Nesse último caso, não se trata de julgar com base na verossimilhança que preponderar, mas sim de julgar com base na verossimilhança exigível à luz das circunstâncias do caso concreto, quando então o juiz se convence, ainda que da verossimilhança, por ser essa a convicção de verdade possível diante do caso concreto.

Uma outra teoria, ao lidar com a dúvida, em princípio não a esconde, mas a afirma. Essa teoria aceita a possibilidade de o juiz chegar ao final do procedimento sem se convencer, dizendo que o juiz, nesse caso, deve proferir uma sentença contrária à parte que tem o ônus da prova. Porém, essa teoria tenta se desfazer da dúvida ao firmar a idéia de que a sentença proferida pelo juiz que não se convenceu, e assim foi obrigado a julgar com base na regra do ônus da prova, não produz coisa julgada material (não se torna indiscutível e imutável).

Contudo, não há muita diferença em proibir que o juiz deixe de julgar (o chamado non liquet) e admitir que a sentença, na hipótese de insuficiência de provas, não produz coisa julgada material. Ora, se o juiz é obrigado a julgar, o seu julgamento deve ter autoridade e se tornar estável, impedindo a sua negação ou rediscussão.

Em resumo: i) não é correto obrigar o juiz a julgar com base na verossimilhança que preponderar, independentemente da situação concretacomo também ii) não se pode admitir que a sentença não produz coisa julgada material apenas por ser fundada em prova insuficiente para esclarecer os fatos. É que as partes devem convencer o juiz, e esse, para julgar, em regra deve estar convicto da verdade, com exceção de particulares situações de direito substancial em que se admite que a sua convicção possa se formar com base em verossimilhança. Por outro lado, não há qualquer racionalidade em admitir que a sentença, apenas porque baseada em provas insuficientes, não produz coisa julgada material, pois isso seria o mesmo que supor que os conflitos devem se eternizar até que as partes tenham meios para provar ou até que o juiz possa se convencer, o que apenas serve para negar a evidência da falibilidade dos meios de conhecimento, da prova, do processo, das partes e do juiz." (grifamos e sublinhamos)

MARINONI, Luiz Guilherme. Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Jus Navigandi, Teresina, ano 11n. 116812 set. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8845>. Acesso em: 4 dez. 2013.

Sobre a implicação da teoria da verossimilhança preponderante na tutela antecipada, acesse aqui editorial mais densamente tratado pelo próprio Marinoni.