quarta-feira, 15 de junho de 2011

Abstrativização do controle difuso de constitucionalidade

(trecho de artigo de Lenio Streck):
http://www.buscaleg is.ufsc.br/ revistas/ index.php/ buscalegis/ article/view/ 17960/17524
 
         "A recente polêmica que vem sendo travada no Supremo Tribunal Federal a partir da Reclamação 4335-5/AC, cujo relator é o Ministro Gilmar Mendes, não fará da decisão que vier a ser tomada, com certeza, apenas mais um importante julgado.1 Mais que isso: ao final dos debates entre os Ministros daquela Corte, poder-se-á chegar, de acordo com o rumo que a votação tem prometido até o momento, a uma nova concepção, não somente do controle da constitucionalidade no Brasil, mas também de poder constituinte, de equilíbrio entre os Poderes da República e de sistema federativo. Isto porque a questão está ancorada em dois pontos: primeiro, o caminho para a decisão que equipara os efeitos do controle difuso aos do controle concentrado, que só pode ser feito a partir do que – nos votos – foi denominado de “mutação constitucional”, que consistiu, na verdade, não a atribuição de uma (nova) norma a um texto (Sinngebung), mas, sim a substituição de um texto por outro texto (construído pelo Supremo Tribunal Federal); o segundo ponto é saber se é possível atribuir efeito erga omnes e vinculante às decisões emanadas do controle difuso, dispensando- se a participação do Senado Federal ou transformando-o em uma espécie de diário oficial do Supremo Tribunal Federal em tais questões."

O artigo disponibilizado no link acima, na sua parte que fala da "Fundamentação e coisa julgada",  trata de outro ponto interessante sobre o controle de constitucionalidade, que é a transcendência dos motivos determinantes da sentença em controle concentrado de constitucionalidade.

Vejam:
 
3. Fundamentação e coisa julgada

Foi explicitado que a única parte da sentença abrangida pelo manto da coisa julgada é o dispositivo, que passa a reger o caso concreto submetido à apreciação da jurisdição. Mas, em se tratando de demandas de controle de constitucionalidade, tal entendimento pode implicar a perpetuação de inconstitucionalidades já devidamente reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal.

Para solucionar tal questão, a doutrina e a jurisprudência do Pretório Excelso sugerem sejam separados os fundamentos da decisão em duas espécies: a)Os motivos determinantes da deliberação (ratio decidendi ou tragende Gründe), os quais incluem as principais razões jurídicas pelas quais se concluiu pela (in)validade de determinado dispositivo. E, b)os motivos secundários (obter dictum), ditos apenas de passagem para embasar as teses principais, esclarecer os assuntos tratados ou delimitar as especificidades do caso julgado. Assim, somente os primeiros (fundamentos determinantes) é que, ao lado do dispositivo, também estão abrangidos pela coisa julgada e, por esta mesma razão, também possuem a eficácia vinculante prevista no art. 102, § 2º, da CRFB.

Esclarecendo a questão, Pedro Lenza leciona que "há de se observar, contudo, a distinção entre ratio decidendi e obter dictum. Obter Dictum (‘coisa dita de passagem’) são comentários laterais, que não influem na decisão, sendo perfeitamente dispensáveis. Portanto, não vinculam para fora do processo. Por outro lado, a ratio decidendi é a fundamentação essencial que ensejou aquele determinado resultado da ação. Nessa hipótese, o STF vem entendendo que a ‘razão da decisão’ passa a vincular outros julgamentos" (in Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 171).

Luís Roberto Barroso, ao tratar especificamente da teoria da transcendência dos motivos determinantes, afirma que, "por essa linha de entendimento, tem sido reconhecida eficácia vinculante não apenas à parte dispositiva do julgado, mas também aos próprios fundamentos que embasaram a decisão. Em outras palavras: juízes e tribunais devem acatamento não apenas à conclusão do acórdão, mas igualmente às razões de decidir" (in O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 184).

O Ministro Gilmar Mendes, por sua vez, afirma que, "proferida a declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei objeto da ação declaratória, ficam os Tribunais e órgãos do Poder Executivo obrigados a guardar-lhe plena obediência. Tal como acentuado, o caráter transcendente do efeito vinculante impõe que sejam considerados não apenas o conteúdo da parte dispositiva da decisão, mas a norma abstrata que dela se extrai, isto é, a proposição de que determinado tipo de situação, conduta ou regulação – e não apenas aquela objeto do pronunciamento jurisdicional – é constitucional ou inconstitucional e deve, por isso, ser preservado ou eliminado" (in O efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal nos processos de controle abstrato de normas. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 43, jul. 2000. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em: 13 set. 2008).

O Professor Roger Stiefelmann Leal justifica a importância dos efeitos transcendentes dos motivos determinantes na jurisdição constitucional, ao comentar que, "ante a recalcitrância dos demais poderes, sobretudo mediante alteração material dos atos e condutas declarados inconstitucionais, é possível constatar certa insuficiência na eficácia das decisões proferidas pelos órgãos de jurisdição constitucional. A limitação da autoridade da decisão apenas à sua parte dispositiva, a exemplo do que ocorre com as demais decisões jurisdicionais, não observa tais implicações. Em regra, essa parte do julgado cinge-se, no máximo, a declarar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinado ato normativo. [...] A imposição da ratio decidendi que presidiu a decisão aos demais poderes teria como efeito normativo necessário a proibição do uso do expediente da reiteração do comportamento julgado inconstitucional, bem como a obrigação de eliminar os demais atos que encerram o mesmo vício apontado" (in O Efeito Vinculante na Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 112/113).

Cabe mencionar os seguintes julgados que confirmam a transcendência dos motivos determinantes: Reclamação 2.363 relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, Reclamação 4.692 relatada pelo Ministro Cezar Peluso, Reclamação 4.416 relatada pelo Ministro Celso de Mello e Reclamação 5.389 relatada pela Ministra Cármen Lúcia, dentre outros.

Adotando-se tal entendimento, os órgãos da Administração Pública e do Poder Judiciário, exatamente por estarem abrangidos pela força vinculante do art. 102, § 2º, da Carta da República, não podem aplicar norma que, da mesma forma que a já declarada inconstitucional pela Suprema Corte, igualmente atenta contra o preceito fundamental indicado na fundamentação (motivos determinantes) exposta pelo Pretório Excelso, ainda que não integre o dispositivo do acórdão, sob pena de viabilizar o emprego da reclamação, na forma dos arts. 13 a 18 da Lei 8.038/1990.

Por derradeiro, cabe esclarecer que, com relação ao controle difuso de inconstitucionalidade, em que a incompatibilidade da legislação infraconstitucional perante a Carta Magna é aferida incidentalmente como questão prejudicial (incidenter tantum), ainda não está pacificada a possibilidade de aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes. Isto porque, nestes casos a Corte Máxima deve comunicar a decisão ao Senado, a quem cabe suprimir o texto reconhecido como inconstitucional, conforme preceitua o art. 52, X, da CRFB.

Neste particular, Pedro Lenza menciona que "na medida em que a análise da constitucionalidade da lei no controle difuso pelo STF não produz efeito vinculante, parece que somente mediante necessária reforma constitucional (modificando o art. 52, X, e a regra do art. 97) é que seria possível assegurar a constitucionalidade dessa nova tendência – repita-se, bastante ‘atraente’- da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso, com caráter vinculante" (in Direito Constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 156).

Portanto, conforme já mencionado em breve passagem anterior pelo tema, "em sede de controle abstrato de constitucionalidade, a eficácia vinculante das deliberações não cinge-se somente à parte dispositiva do julgado, mas abrange também os próprios fundamentos determinantes da decisão" (Orlando Luiz Zanon Junior. Questões Pacíficas e Temas Controvertidos sobre o Controle Concentrado de Constitucionalidade. Jus Navigandi. nº 1.238. Disponível em <www.jus.com.br>. Acesso em 21.11.2006. Revista da AGU. Nº 11. Dezembro de 2006; grifou-se). 

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