sexta-feira, 3 de junho de 2011

Auto-integração e heterointegração da norma jurídica

  • O método de auto-integração apoia-se no uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do direito (CLT, art. 8º e CPC, art. 126); (LACUNA NORMATIVAAPLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA / SUPLETIVA)
  • O método da heterointegração consiste no recurso a ordenamentos diversos, recorrendo a fontes diferentes daquelas dominantes (CLT, arts. 769). (atenção quanto à lacuna normativa, conforme texto abaixo!) (LACUNAS ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICAAPLICAÇÃO DIRETA)

Sobre heterointegração da norma jurídica:

"Os Requisitos do Artigo 769 da CLT e a Necessidade de Heterointegração do Sistema Processual Não-Penal

O artigo 769 da CLT estabelece que para que se possa utilizar da legislação comum, como fonte subsidiária, se faz necessário a existência de dois requisitos básicos: omissão legislativa da CLT e compatibilidade da norma a ser importada com a sistemática processual trabalhista.
Acontece, contudo, que ante as novas alterações sofridas pelo processo civil, existem procedimentos em que, embora exista manifestação expressa da Consolidação das Leis do Trabalho a respeito, a aplicabilidade do processo civil seria mais benéfica e contribuiria de maneira mais célere e efetiva para a prestação jurisdicional.
Nestes casos, será necessária uma nova análise do real sentido da expressão "nos casos omissos" incutidos no artigo em comento.
Uma interpretação literal dará certeza de que a expressão "nos casos omissos" refere-se de maneira clara a situações de lacuna normativa, ou seja, a situações em que a Consolidação das Leis do Trabalho não possua norma própria regulamentando determinada situação fática.
Por sua vez, como explicitado alhures, o disposto no art.5º, LXXVIII, da CF/88, impõe na tutela do princípio da celeridade e da efetividade processual, que esta interpretação literal seja abandonada.
Interpretando as normas de direito processual sob este novo enfoque, constatar-se-á a existência de normas, na Consolidação das Leis do Trabalho, que se comparadas com os novos procedimentos adotados pelo Código de Processo Civil, serão tidas por injustas ou insatisfatórias. Quando esta constatação existir, estará tipificada a lacuna axiológica.
Por sua vez, quando a existência da norma não mais corresponder aos fatos sociais, em decorrência do desenvolvimento destas relações, estará configurada a lacuna ontológica.
Para Maria Helena Diniz [10], as principais espécies de lacunas do direito são: a) normativas – em caso de ausência de norma; b) ontológicas – quando a norma, embora existente, está em dissonância com os fatos sociais; c) axiológicas- quando a norma, embora existente, for injusta.
Para Carlos Henrique Bezerra Leite, a CLT, em determinados pontos, quando comparada com alguns aspectos da reforma do Código de Processo Civil, apresenta as seguintes lacunas axiológicas e ontológicas:
a) lacuna ontológica, pois não há negar que o desenvolver das relações políticas, sociais e econômicas desde a vigência da CLT (1943) até os dias atuais revelam que inúmeros institutos e garantias do processo civil passaram a influenciar diretamente o processo do trabalho (astreintes, antecipação de tutela, multas por litigância de má-fé e por embargos procrastinatórios, etc.), além do progresso técnico decorrente da constatação de que, na prática, raramente é exercido o ius postulandi pelas próprias patês, e sim por advogados cada vez mais especializados na área justrabalhista.
b)lacuna axiológica, pois quando a regra do art. 769 da CLT, interpretada literalmente, se mostra muitas vezes injusta e insatisfatória em relação ao usuário da jurisdição trabalhista quando comparada com as novas regras do sistema do processo civil sincrético que propiciam situações de vantagem (material e processual) ao titular do direito deduzido na demanda. Ademais, a transferência da competência material das ações oriundas da relação de trabalho para a Justiça do Trabalho não pode redundar em retrocesso econômico e social para os seus novos jurisdicionados nas hipóteses em que a migração de normas do CPC, não obstante a existência de regras na CLT, impliquem melhoria da efetividade da prestação jurisdicional, como é o caso da multa de 10% e a intimação do advogado (em lugar de citação) do devedor para o cumprimento da sentença.
Nos casos em que forem configuradas as lacunas normativas, desde que haja compatibilidade com o processo laboral, o artigo 769 da CLT, é de clareza hialina quanto à possibilidade de importação das normas do procedimento comum.
Por outro lado, quando forem configuradas lacunas ontológicas e axiológicas, será necessária uma heterointegração do sistema processual não-penal, afim de que seja alcançada a tão almejada celeridade.
Mais uma vez, fazendo uso das palavras de Carlos Henrique Bezerra Leite,
Para acolmatar as lacunas ontológicas e axiológicas do art.769 a CLT torna-se necessária uma nova hermenêutica que propicie um novo sentido ao seu conteúdo devido ao peso dos princípios constitucionais do acesso à justiça e que determinam a utilização dos meios necessários para abreviar a duração do processo.
No mesmo sentido, Cândido Rangel Dinamarco e Marcelo Freire Sampaio Costa expõem, respectivamente que
incumbe ao juiz postar-se como canal de comunicação entre a carga axiológica atual da sociedade em que vive e os textos, de modo que estes fiquem iluminados pelos valores reconhecidos e assim possa transparecer a realidade de norma que contêm no momento presente (...). Para o adequado cumprimento da função jurisdicional, é indispensável boa dose de sensibilidade do juiz aos valores sociais e às mutações axiológicas da sua sociedade (...). Repudia-se o juiz indiferente, o que corresponde a repudiar também o pensamento do processo como instrumento meramente técnico. Ele é um instrumento político, de muita conotação ética, e o juiz precisa estar consciente disso. As leis envelhecem e também podem ter sido mal redigidas. Em ambas as hipóteses carecem de legitimidade as decisões que as considerem isoladamente e imponham o comando emergente da mera interpretação gramatical. Nunca é dispensável a interpretação dos textos legais no sistema da própria ordem jurídica positiva em consonância com os princípios e garantias constitucionais (interpretação sistemática) e sobretudo à luz dos valores aceitos (interpretação sociológica, axiológica)
insta conferir interpretação conforme à Constituição ao modelo principiológico constitucional do processo e à técnica da heterointegração do processo civil no ramo trabalhista, significando, primeiramente, realçar a insuficiência e o equívoco dos reflexos deitados sobre a leitura isolada dos elementos componentes da aplicação subsidiária no processo laboral (existência de omissão e compatibilidade da heterointegração), bem como a necessidade de buscarem resultados compatíveis com a maior efetividade da tutela jurisdicional, preocupação tão presente na processualística moderna.
Também sobre a possibilidade de heterointegração, o Enunciado nº 66, aprovado na I Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada de 21 a 23 de novembro de 2007, e organizada pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (ANAMATRA), estabelece que
66. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DE NORMAS DO PROCESSO COMUM AO PROCESSO TRABALHISTA. OMISSÕES ONTOLÓGICA E AXIOLÓGICA. ADMISSIBILIDADE. Diante do atual estágio de desenvolvimento do processo comum e da necessidade de se conferir aplicabilidade à garantia constitucional da duração razoável do processo, os artigos 769 e 889 da CLT comportam interpretação conforme a Constituição Federal, permitindo a aplicação de normas processuais mais adequadas à efetivação do direito. Aplicação dos princípios da instrumentalidade, efetividade e não-retrocesso social.
Contata-se, pelo exposto, que a necessidade de heterointegração do sistema processual não-penal, tem como fator determinante a efetivação dos direitos fundamentais do acesso á justiça e da duração razoável do processo, partindo de uma interpretação evolutiva do artigo 769 da CLT, como supramencionado.
Aplicando-se o entendimento aqui defendido, não será apenas nas situações em que existirem lacunas normativas no texto consolidado que o processo comum será utilizado no procedimento trabalhista, já que, quando evidenciada qualquer tipo de lacuna (normativa, axiológica e ontológica), deverá o operador do direito aplicar o procedimento comum; ou como fonte subsidiária ou, supletivamente, por meio da heterointegração dos subsistemas processual e trabalhista.
Cumpre esclarecer que no caso da heterointegração o procedimento será aplicado diretamente e não de forma subsidiária, como o ocorre quando da existência de lacuna normativa. Dito de outra forma, nos casos de lacunas ontológicas e/ou axiológicas, o Código de Processo Civil poderá sobrepor à Consolidação das Leis do Trabalho para ser aplicado diretamente [11].
Seguindo os ensinamentos de Maurício Godinho Delgado [12]
heterointegração ocorre quando o operador jurídico vale-se de norma supletiva situada fora do universo normativo principal do direito. A pesquisa integrativa faz-se em torno de outras normas que não as centrais do sistema jurídico (por isso é que é chamada heterointegração).
A norma adotada na heterointegração, posicionada fora das fontes jurídicas principais do sistema, constitui-se em típica fonte supletiva do Direito, já que rege situações fáticas concretas somente em circunstâncias de utilização da operação integrativa."

2 comentários:

  1. Olá, Mauricio, tenho pesquisado sobre o art. 15 do novo CPC quanto a questão da aplicação "supletiva" ao processo trabalhista destacando-se da palavra "subsidiária". Após ler seu texto, tive a esperança de encontrar a resposta da sutil diferença. Porém, tive a impressão das mesmas terem sido utilizadas de forma equânime, indiferenciada.

    Muito bom o texto, bem esclarecedor.

    Continuarei minha pesquisa e na torcida para poste algo sobre o referido assunto.

    Júlia
    Graduanda do curso de Direito.
    Estagiária.

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  2. Parabéns pelo texto e obrigado.
    Poderia esclarecer melhor a inaplicabilidade da heterointegração jurídica no âmbito do direito processual penal trabalhista?
    Abç

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