José Affonso Dallegrave  Neto[1]
                        Idéia atualmente debatida  por todos os Ministros do Emprego que integram a União Européia, a  flexisegurança (ou “flexiseguridad” ou “flexicurity” ou “flexissegurança[2]”)  pretende conciliar dois valores sensivelmente antagônicos, quais sejam a  flexibilidade do mercado de trabalho e a segurança dos trabalhadores contra o  desemprego que amarga o número de 16 milhões de trabalhadores europeus no  fechamento do ano de 2007.
                        Nessa direção é o “Livro  Verde sobre Relações Laborais da União Européia”, editado em novembro de 2006,  que propugna pela “modernização do Direito do Trabalho para fazer frente ao  desafio do século XXI”. Em igual sentido mencione-se também a Diretiva n. 21 da  União Européia que objetiva “promover a flexibilidade combinada com segurança”.  
                        Inspirados nos exemplos  da Dinamarca, Holanda e Suécia, basicamente a nova onda  deseja, de um lado, flexibilizar ainda mais a mobilidade do emprego, facilitando  as formas flexíveis de contratação e a dispensa sem ônus e, de outro, compensar  a classe trabalhadora (trade-off),  através de um robusto seguro-desemprego aliado a uma rigorosa política de  recolocação de trabalho (outplacement). 
                        Neste contexto, o  principal ideólogo da flexisegurança, o professor da Universidade de Tilburg, na  Holanda, Ton Wilthagen, sugere uma nova perspectiva: “em vez de se diminuir a  segurança dada aos trabalhadores é possível encontrar novas formas de protecção  e, ao mesmo tempo, dar às empresas mecanismos para enfrentar a competição  mundial”. Em tom crítico, o jurista português Ricardo Nascimento comenta essa  proposição de Wilthagen:
“A flexisegurança, conceito importado da Dinamarca  trata-se aos olhos de muitos, de uma receita mágica para o gravíssimo problema  de desemprego europeu. Neste modelo, quanto maior for a flexibilidade, maior  protecção será dada aos trabalhadores e é na experiência dinamarquesa e de  outros países do norte da Europa que se encontra o mais elevado nível de apoio  ao desempregado, ao mesmo tempo que se dá aos empregadores mais flexibilidade  nos despedimentos”[3].
                        De uma análise fria e sem  romantismo, chega-se a inferência de que se trata de mais uma medida em sintonia  com a ideologia neoliberal, vez que os objetivos são claros: facilitar a vida da  iniciativa privada em detrimento das condições de trabalho que se tornarão mais  precárias em face da política de flexibilidade em seus diversos aspectos:  contratação temporária; dispensa sem ônus; modalidades de salário vinculadas ao  resultado; fixação de horários flexíveis visando atender exclusivamente a  demanda da produção. 
                        Há quem sustente que a  ortodoxa ideologia neoliberal está com seus dias contados em face da recente  crise imobiliária dos créditos subprime dos EUA, a qual afetou o mundo  inteiro e pôs em xeque o sistema financeiro propelido pelo mercado. Reflexo  disso é a recente medida do governo americano de ampliar a autonomia do Fed  (Federal Reserve dos EUA) sobre os bancos de investimento e o apelo do FMI para  que os países ricos não se limitem à política monetária, mas recorram às  políticas fiscais anticíclicas[4].  Como se vê, começa-se a esboçar um retorno ao velho ideal de Keynes que propugna  pela intervenção do Estado sobre a Economia, ruindo-se assim um dos principais  pilares da ideologia neoliberal que sempre defendeu o inverso.
                        Nessa esteira de lançar  para o Estado o ônus econômico, advêm as diretrizes da flexisegurança, as quais  devem ser vistas com parcimônia. De um lado a anunciada compensação para a  classe trabalhadora implicará ônus para os cofres públicos, representando  inevitável aumento de impostos a serem pagos pela sociedade. De outro lado, a  vantagem da recolocação de novo posto de trabalho (“outplacemente”) será vista  como um direito meramente programático de eficácia duvidosa.
                        A propósito, impende  distinguir duas figuras nascidas nessa atual era dos modernos conceitos de  gestão de pessoal. A do head hunter,  incumbido de procurar no mercado de trabalho os candidatos que uma empresa  pretende admitir, e a do outplacement, definida como toda a ação  de orientação e assistência ao profissional que busca um posto de trabalho no  mercado. 
                        De nossa parte as figuras  do head hunter e do outplacement só se tornam eficientes  diante de dois fatores. O primeiro é o aquecimento da economia, baseado numa  política de concessão de crédito com juros baixos, aumento de consumo e, por  conseguinte, alta oferta de trabalho. O segundo fator é a disponibilidade de  mão-de-obra qualificada, sendo que para tanto será preciso que o Estado invista  em ensino profissionalizante. Do contrário, de nada adiantará invocar os  préstimos de um caçador de talentos num mercado de trabalho estagnado. Milagre  econômico não existe! 
                        No Brasil tivemos um  exemplo de tentativa fracassada, quando se editou a MP n. 2164-41, em  24/08/2001, e se introduziu, através do art. 476-A da CLT, a possibilidade do  empregador suspender o contrato, por um período de dois a cinco meses, para a  participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional.  Tudo custeado pelo FAT. Na prática, um fiasco que só serviu para suspender sem  ônus os contratos de trabalho das montadoras em períodos de recessão e para  engordar os cofres das Centrais Sindicais responsáveis pela realização de tais  cursos profissionalizantes. Os objetivos de qualificar o trabalhador e combater  o desemprego nem de longe foram alcançados.
                        Em face desses fatores de  incredulidade ou receio, o próprio comissário europeu de Assuntos Sociais,  Vladimir Spidla, em reunião ministerial de Villach na Áustria, em 20 de janeiro  de 2006, advertiu: “A flexibilidade sem a segurança é uma coisa muito dura, que  pode conduzir a uma deterioração das condições de trabalho”.
                        A flexisegurança se apresenta  como uma espécie de terceira via entre o modelo americano de total  desregulamentação, de um lado, e a segurança do emprego surgida no modelo de  Constitucionalização dos Direitos Sociais, iniciado pela Constituição mexicana  de 1917 até a brasileira de 1988, de outro. Os exemplos que inspiram a nova  idéia são o da Suécia, Holanda e (principalmente) da Dinamarca.
                        Ocorre que as realidades  prodigiosas desses poucos países do norte europeu constituem situações ímpares,  oásis na crise do mercado de trabalho mundial. Vejamos alguns números da  Dinamarca. 
                        Nos quesitos:  competitividade internacional; segurança e satisfação no emprego; nível de  bem-estar econômico, a Dinamarca está em primeiro lugar no quadro de países que  integram a União Européia. Ainda: na Dinamarca todos os trabalhadores recebem  subsídios de desemprego até o trabalhador obter novo trabalho, sendo que o  Estado gasta 5% do seu PIB com despesa pública com emprego. Ademais, na  Dinamarca a política de outplacemente  proíbe o trabalhador de se negar a empregar-se, sendo a proteção mais  propriamente do indivíduo do que dos postos de trabalho. Lá há uma efetiva  política de cooperação entre empresários e trabalhadores para o interesse geral  de todos.
                        Diante desse cenário,  resta-nos a indagação: Tal modelo dinamarquês servirá para o Brasil?  Registre-se que os portugueses também se fizeram essa pergunta e a grande  maioria dos lusitanos acompanham a opinião do Presidente da JUTRA, José Augusto  Ferreira da Silva:
“Agora aparece uma nova  panacéia que se chama "Flexisegurança". Idéia importada da Dinamarca, país com  condições sócio-económicas completamente diversas das de Portugal e que,  manifestamente, não terá qualquer êxito em Portugal, onde só servirá para  "flexibilizar" cada vez mais as leis laborais , sem qualquer contrapartida na  "segurança" para os desempregados”[5].  
                        Ora, se o modelo  trabalhista proposto nem para Portugal serve, com maior razão servirá para o  Brasil que tem déficit interno alto e uma política de desemprego frágil e  limitada a pouco mais de três meses.
                        Em nossa opinião, o  problema do desemprego não se combate com flexibilização ou precarização das  relações de trabalho, mas antes pelo aquecimento da economia e por uma política  que reduza os encargos previdenciários sobre a folha de pagamento.
Os números e  dados confirmam a nossa inferência. Senão Vejamos. 
Desde a  chamada Reforma Trabalhista implantada pelo Governo FHC, tivemos a edição da Lei  9601/98, que introduziu o banco de horas e o contrato a prazo com redução do  FGTS para 2% e pela metade o Sistema “S”; depois foi editada a MP 1709/98 que  introduziu o art. 58-A e regulamentou o trabalho parcial com a redução do  período de férias. Depois sobreveio a MP 1779/99 que introduziu o art. 476-A, da  CLT, e a possibilidade de suspensão temporária com redução de custos e  financiamento pelo FAT. Depois, foi editada a Lei 10.243/01 que beneficia os  empregadores que concedem salário-utilidade sem qualquer incidência de encargos  (art. 458, § 2º.) e ainda regulamenta os minutos de preparo, através do art. 58,  § 1o, da CLT que declara que os 10 minutos diários destinados ao  início e término de jornada consignada em cartão ponto não são considerados como  de efetivo trabalho.
                        Diante de tamanhas  medidas flexibilizadoras, o desemprego deveria cair nesse período de  1998 a   2001, contudo não foi o que vimos. 
                        Conforme índices do  DIEESE e BACEN, em 12/97, registrou-se 4,5% da PEA, período que iniciou a  Reforma Trabalhista do Governo FHC. Em 12/99 subiu para 6,7%. Em 12/02 subiu  novamente para 10,50%, quando findou a “reforma trabalhista”. Em 12/03 e 12/04 a  taxa de desemprego fechou próxima da casa dos 10%. Somente a partir de 12/05 a  taxa de desemprego começou a cair, alcançando a sua menor taxa em 12/07, na casa  dos 7,40%.
                        Diante dessa queda da  taxa de desemprego, fica uma questão no ar: o que explica esse mudança de rumo?  
                        Pelos números vistos, não foi  a flexibilização da legislação trabalhista que combateu o desemprego, mas o  aquecimento da economia. Observa-se que por 2 anos seguidos nesse período  o PIB foi maior do que a inflação anual, período em que também se verificou  sensível aumento da oferta de crédito popular consignado com juros mais baixos  para o trabalhador, através da edição da Lei 10.820 (DOU: 19/12/03).
                        A fim de corroborar que o  combate ao desemprego está vinculado ao aquecimento da economia e não à  precarização do trabalho, vale a pena verificar a flutuação da Taxa de Juros  Selic ocorrida no período. 
Em 12/02,  data em que findou a Reforma Trabalhista, os juros estavam em 25,50% a.a.. Em  12/05, quando o desemprego começou baixar, a taxa Selic também caiu para 18,50%.  Em 12/06 caiu novamente para 13,25% e, finalmente, em 12/07 despencou para  11,50%. No mesmo ano, em 12/07, adveio a menor taxa de desemprego registrada:  7,40% e um crescimento de 7% no número de Carteiras de Trabalho assinadas em  comparação com o ano anterior.
                        Moral da história: o que  combate o desemprego não é a flexibilização da lei trabalhista nem o  endividamento do Estado com aumento de quotas de Seguro-Desemprego, mas o  aquecimento da economia propiciado pelo aumento da oferta de crédito pessoal com  juros baixos e a elevação do consumo aliada a uma política de desoneração  previdenciária da folha de pagamento.
                         O exemplo  português segue a mesma lógica: Em 12/2003, com a aprovação do Código do  Trabalho foram explicitados os seus objetivos na Exposição de Motivos. São eles:  “promoção da adaptabilidade e flexibilidade da disciplina laboral, nomeadamente  quanto à organização do tempo, espaço e funções laborais, de modo a aumentar a  competitividade da economia, das empresas e o conseqüente crescimento do  emprego”. Os índices de desemprego atingiram 5% da PEA nessa época. Hoje, mais  de 4 anos de vigência desta legislação flexível, o índice de desemprego em  Portugal aumentou para pouco mais de 8%. Conclusão: a nova lei flexível não  serviu de mecanismo eficiente para o combate ao desemprego.
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