sexta-feira, 1 de abril de 2011

RELEITURA DA SUBORDINAÇÃO – PROPOSTA DE NOVO CONCEITO DE CONTRATO DE TRABALHO

AUTORES: LAIZ ALCÂNTARA PEREIRA e DIOGO DE SOUZA FREITAS 

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Com o processo de industrialização o mundo assiste a uma constante e dinâmica alteração nas formas de trabalho. Inovações tecnológicas, informatização e internet geram uma onda de profundas, rápidas e permanentes reformas nos meios de produção e por consequência no modelo trabalhista. 

Para enfrentarmos as necessidades de adaptação a essas alterações, pois o Direito do Trabalho é consequência dos fatos sociais, propõe-se uma releitura dos antigos elementos para melhor subsunção das relações atuais ou um novo conceito para melhor enquadramento destas relações. 

A elaboração da nova proposta deve passar pela dificuldade de enquadramento no conceito tradicional, com seus elementos caracterizadores, desde antigas figuras como empregados, representante comercial autônomo, viajante comercial pracista etc. até figuras mais atuais como teletrabalho, pejotização, empregados intelectuais, dentre outros. Outro enfrentamento necessário é a análise da terceirização como uma das hipóteses de descentralização do trabalho que gera agravamento da crise, quanto à dificuldade de enquadramento de acordo com os requisitos clássicos da relação de emprego.

A proposta de um novo conceito deve ser feita com a reanálise de elementos como a aleabilidade e a subordinação, mas, sempre, com fulcro nos preceitos constitucionais e civilistas.

Para tanto dividiu-se o o artigo em três capítulos tendo o primeiro a missão de abordar o conceito tradicional, já o segundo as novas formas de organização de trabalho e a necessidade de uma releitura e, por fim, a proposta de novo conceito de contrato de trabalho.

1. CONCEITO TRADICIONAL DO CONTRATO DE TRABALHO

A Doutrina Pacífica (Maranhão, Sussekind, Barros e Delgado) do Direito do Trabalho, em que pese a existência de forte intervencionismo Estatal (Dirigismo Contratual) impondo normas de ordem pública a resguardar os direitos mínimos do trabalhador, patamar civilizatório mínimo, ainda considera prevalecente o caráter contratual desta disciplina, caracterizando-o como de natureza privada. 

“É que a natureza jurídica de qualquer ramo do direito não se mede em função da imperatividade ou dispositividade de suas regras componentes. Se tal critério fosse decisivo, o direito de família, formado notadamente por regras imperativas, jamais seria ramo componente do direito civil.” 

O Direito do Trabalho é originário do Direito Civil das Obrigações, em especial do Direito Contratual. Prevalece, portanto, como natureza jurídica do Contrato de trabalho a Teoria Contratual Moderna, composição entre as Teorias Contratualistas e Acontratualistas , com prevalência da primeira. Ressalta-se que mesmo se reconhecendo certa autonomia predomina a imperatividade das normas de ordem pública sobre as contratadas (artigo 442 da CLT “Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso correspondente à relação de emprego”).

Nesse esteira não teria o Contrato de Trabalho um conteúdo específico ao contrato empregatício, mas qualquer obrigação de fazer lícita nele pode estar compreendida desde que realizada em estado de subordinação, ou seja, o elemento fático-jurídico caracterizador da relação de emprego.

Convém ainda ressaltar que a doutrina e jurisprudência dominantes convencionaram nomear contrato de trabalho como sinônimo de relação de emprego ou contrato de trabalho subordinado, distinguindo, portanto, de relação de trabalho autônomo, isto é, todo contrato pelo qual uma pessoa se obriga a uma prestação de trabalho em favor de outra, contrato de atividade onde o que importa é o resultado.

Se torna pertinente a crítica de Orlando Gomes apud por Sussekind . “O Contrato de trabalho seria aquele correspondente a uma relação de emprego. O que vem a ser, porém, essa relação?” Em um círculo vicioso, segundo o que se estabelece o já citado art. 442 da CLT é a que “corresponde” ao contrato de trabalho. Assim não se define nenhuma coisa nem outra. 

Portanto segundo Sussekind:

“Contrato de trabalho stricto sensu é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa física (empregado) se obriga, mediante o pagamento de uma contra-prestação (salário), a prestar trabalho não eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica (empregador), a quem fica juridicamente subordinada.” 

Para nós, com base nos artigos 2° e 3° da CLT, contrato de trabalho é aquele onde uma pessoa física se obriga mediante pagamento de contraprestação a realizar trabalho por conta de outrem, com pessoalidade, de forma não-eventual e sob “dependência”.

1.1. Conceito de Subordinação

Dentre os elementos fáticos-jurídicos caracterizadores da relação de emprego: trabalho por pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, alteridade e subordinação. Destaca-se a importância e problematização deste último.

É a subordinação que diferencia a relação de emprego das demais relações de trabalho. Convencionou-se fazer a leitura do caput do artigo 3° da CLT “dependência” como se fosse subordinação, o que entendemos equivocado. A compreensão de que a CLT na verdade quer se referir à subordinação vem da interpretação equivocada de que dependência seria a concepção subjetiva da subordinação, já superada, como veremos. Vejamos primeiramente o conceito tradicional de subordinação.

Segundo Vólia Bonfim Cassar:

“ A expressão Subordinação deriva do termo subordinare (sub-baixo; ordinare-ordenar), isto quer dizer imposição da ordem, submissão, dependência, subalteridade hierárquica.” Continua a autora”: “ Subordinação nada mais é que o dever de obediência ou o estado de dependência na conduta profissional, a sujeição às regras, orientações e normas estabelecidas pelo empregador inerentes ao contrato, à função, desde que legais e não abusivas”.

Para Amauri Mascaro Nascimento “subordinação é uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará” 

Estes conceitos levam em consideração a Teoria da Subordinação Jurídica (contratual), critério adotado pelo legislador brasileiro, todavia, convém recordar que existem outros como a subordinação técnica, hierárquica e econômica.

É relevante para a problematização do conceito subordinação destrincharmos suas características. 

A subordinação pode ser direta ou indireta. Direta quando a ordem ou direção do trabalho é feita diretamente pelo patrão sócio ou diretor da empresa. Indireta quando entre o empregado e o empregador existem intermediários que podem ser prepostos, empregados de confiança (gerentes) ou terceiros que recebem e repassam a ordem ao trabalhador.

A subordinação, também, pode ser objetiva e subjetiva. Objetiva quando o comando do empregador recai sobre a pessoa do empregado e subjetiva quando o trabalhador está sujeito às ordens de modo pessoal. O ordenamento adotou a objetiva por levar em conta o modo como o serviço deve ser executado e não sobre a pessoa do trabalhador.

A subordinação é graduada e sofre atenuações na conformidade do segmento empresarial, função do empregado e nível do mesmo dentro da estrutura da empresa. Quanto mais elevado é o nível do empregado mais tênue é a subordinação. Há que se observar ainda a quantidade, qualidade e intensidade das ordens. A subordinação liga-se intimamente com o Poder Diretivo e dela decorre o binômio Direção-Sujeição.

Diante das relações empregatícias clássicas era mais fácil diferenciar com base nos conceitos de subordinação acima descritos relações de trabalho e relações de emprego, sendo que estas eram praticamente as únicas relações existentes. Ocorre que, atualmente o modelo tradicional de emprego vem sofrendo constante variação e a cada dia que passa é mais difícil enquadrar ou diferenciar as relações de trabalho existentes com base no conceito tradicional de relação de emprego e subordinação.

O conceito de subordinação frente às alterações sofridas pelas relações de trabalho deve passar por uma releitura com base nas novas formas de organização baseada principalmente no risco do negócio, alienabilidade, inibição de abuso do direito de lucro com base na exploração do trabalho, análise da necessidade deste trabalho ou inserção do mesmo
no meio produtivo, dentre outros.

2. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO E A NECESSIDADE DE UMA RELEITURA

Após o processo de industrialização o mundo assiste a uma constante e dinâmica alteração nas formas de trabalho. Inovações tecnológicas, informatização, internet, tudo isso gera uma onda de profundas, rápidas e permanentes reformas nos meios de produção e por consequência no modelo trabalhista. Da introdução destes diferentes métodos de organização e de gestão de empresas decorrente dessas modificações, é analisada a pertinência da relação de emprego com o atual modo de produção de bens. Assim como na origem do Direito e do contrato de trabalho hoje enfrentamos a necessidade de adaptação a essas alterações pois o Direito do Trabalho é consequência dos fatos sociais.

A globalização criou uma ampla rede de concorrência, juntamente com a facilidade de informações, inclusive, instantâneas, transportes e até mesmo inter-relação de trabalhadores. Esta nova realidade justifica para alguns a imposição de algumas novas formas de relações de trabalho necessariamente descentralizada e menos protetiva.

O trabalho é um dos principais fatores a ser considerado dentre o meio de produção e, assim como os outros fatores, deve passar por um processo de redução de custos para que dentre o mercado globalizado e de concorrência ampliada as empresas possam sobreviver. 

Nesse viés defende-se que mais que se permitir deve o ordenamento estimular a redução dos custos da produção, inclusive do custo-trabalho. 

Mencionam-se, nesse aspecto, algumas especificidades que clamam uma nova leitura e impõem novas atitudes aos operadores do direito e aos próprios trabalhadores para se alcançar a efetividade dos direitos trabalhistas que sempre foi o fundamento maior da existência deste ramo do direito.

2.1. Da Tradicional Relação de Emprego às Novas Formas de Trabalho

Classicamente a distinção básica e fácil se dava entre empregado e autônomo com base no conceito tradicional de subordinação, como já destacamos. Mesmo nesse modelo tradicional algumas figuras já se destacavam como de necessário tratamento diferenciado pelo ordenamento, mas que ainda sim não traziam ainda um necessário rompimento do conceito existente.

Dentre essas modalidades de trabalho, já de certa forma diferenciadas, destacamos os altos empregados, sócio-empregados, trabalho intelectual, cooperado, trabalhador em domicílio e representante comercial.

Já no artigo 6° da CLT, redação original, a Consolidação traz uma forma de trabalho diferenciada da tradicional. Estabelece que não pode haver distinção entre o trabalhador em domicílio e aquele tradicional que labora dentro do estabelecimento do empregador. São exemplo destes trabalhadores: costureiras, trabalho artesanal direcionado a venda de determinada empresa, cozinheira etc.

O que se destaca nesta forma de trabalho é que a CLT reconhece, portanto, vínculo empregatício mesmo quando não há subsunção típica aos elementos fáticos-jurídicos caracterizadores da relação de emprego. Aqui não há controle ou fiscalização típicos por parte do empregador (subordinação). Não pode ser considerado trabalhador autônomo tão pouco, pois não corre o risco do empreendimento. ¨A doutrina tem sido ainda tolerante quanto a ajuda eventual de familiares (pessoalidade)¨.

Na atualidade, especialmente em consequência da tecnologia existente, podemos encontrar figura com proximidade ao trabalho em domicílio, o teletrabalho, denominado ainda de trabalho periférico, trabalho à distância e trabalho remoto.

“Teletrabalho significa trabalho à distância, trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador. O trabalho em domicílio é espécie do gênero teletrabalho. Não há necessidade de o empregado utilizar instrumentos de informática ou de telecomunicação.” 

Segundo Rodrigues Pinto , teletrabalho corresponde a “uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal”.

Há uma tentativa constante dos empregadores em caracterizar este tipo de trabalho como autônomo diante da inexistência de controle, fiscalização, aferição de pessoalidade, dentre outros. Com o avanço dos meio de comunicação muitas vezes nem mesmo se conhece este trabalhador ou sabe-se de onde ele está “enviando” o trabalho ao empregador. Reconhecemos a dificuldade de enquadramento deste trabalhador e ressalvamos que somente no caso concreto poder-se-ía aferir a dependência econômica deste trabalhador, se por exemplo, ele presta serviços a outras empresas, se observa ou não ordens ou se é possível ao tomador de serviços averiguar quando este começa ou termina o trabalho, liga ou desliga o sistema operacional da empresa, dentre outros.

Outro exemplo que dentro da tradicional conceituação, também, encontra alguma dificuldade de caracterização é o alto-empregado. Este trabalhador se enquadra dentro dos artigos 62 e 224 da CLT, ou seja, cargo ou função de confiança. Está excluído por opção legislativa do capítulo referente à limitação de jornada de trabalho pelas peculiaridades das funções exercidas. O Tribunal Superior do Trabalho, Súmula 269, já se manifestou a respeito do diretor-empregado o que para nós se aplica ao gênero alto-empregado. Independentemente do nome dado ou da função exercida, se existem os elementos caracterizadores da relação de emprego, empregado é. Em especial, se houver subordinação. É neste sentido o entendimento da Corte. O problema é identificar o que é subordinação quando se trata de alto-empregados. Entendemos que somente no caso concreto pode-se verificar. O relevante para nosso estudo, portanto, é que neste caso ainda que se considere empregado tratar-se-ía de subordinação rarefeita.

A mesma leitura é devida quando se tratar de sócio-empregado.

Quanto ao trabalho intelectual quando o contrato de trabalho tenha como fim o objeto da invenção ou desenvolvimento intelectual trata-se de relação de emprego. Ocorre que, neste casos o know-how empresarial muitas vezes está nas mãos destes profissionais, como químicos, engenheiros, farmacêuticos e cientistas. Assim sendo, a subordinação se evidencia por ser jurídica, mas por certo, esta aqui também não é típica (subordinação técnica invertida) já que não caberá ao empregador direcionar o trabalho do empregado principalmente quanto ao modo de elaboração.

A Lei 8.949/94 acrescentou o parágrafo único ao artigo 442 da CLT trazendo uma presunção relativa de ausência de vínculo de emprego visando estimular o cooperativismo. Esse tipo de relação de trabalho, desde que não caracterizado os elementos da relação de emprego, justifica-se pelo alcance social de fonte de renda, postos de trabalho, avanço econômico regionalizado e de estímulo a setores econômicos em especial agroindustriais onde a iniciativa pública nem sempre alcança. Esta forma de organização de trabalho gera riquezas e desenvolvimento que beneficia o próprio trabalhador sendo independente e permanecendo na sua própria atividade, localidade e meio social.

Observando os princípios da dupla qualidade e retribuição pessoal diferenciada a forma cooperada de trabalho é prevista Constitucionalmente, art. 5° XVIII e 174 §4°, e é tida como excludente legal da relação de emprego, desde que inobservados os elementos desta relação. 

O que se observa atualmente, no entanto, é que as cooperativa de trabalhadores estão sendo utilizada para fraudar direitos trabalhistas. Na prática, empregadores obrigam trabalhadores de determinado ramo a formarem uma cooperativa para prestarem serviços exclusivamente para estes, sem qualquer estrutura de benefício cooperado-cliente ou mesmo aumento de remuneração. Tal prática infelizmente corriqueira traz descrédito a esta forma de organização de trabalho que é extremamente benéfica quando verdadeira.

Seguindo esta esteira de “formas de burla à legislação trabalhista¨ destacamos a “pejotização”. Esta é uma das modalidades mais freqüentes de fraude contemporânea na seara trabalhista. Consiste, basicamente, no intuito da empresa tentar camuflar típica relação de emprego com a celebração de contrato de prestação de serviço com uma pessoa jurídica. Trata-se de transformar o trabalhador em “pj”, tentando afastar fraudulentamente assim um dos elementos da relação de emprego, a pessoa física, sem no entanto afastar o principal deles, a subordinação.

Esta tentativa de fraude, também, ocorre muitas vezes na figura do representante comercial autônomo, previsto na lei 4.886/65. O represente comercial autônomo se assemelha muito ao empregado vendedor viajante pracista (Lei 3.207/57). Tal diferenciação se baseia na aferição do grau de subordinação existente, intensidade, repetição e continuidade de ordens que pode afastar a aduzida autonomia já que o simples fato de poder ser constituído de pessoa jurídica não afasta por si só a configuração da relação de emprego, quando evidenciada a subordinação.

Na realidade o que se conclui tanto na relação do representante comercial quanto nas acima referidas é que dificilmente se afasta por completo a evidência de subordinação. É impossível ao tomador em geral se afastar de alguma ordem, fiscalização ou algum tipo de ingerência no modo, quando, quanto e como, pois de grau mínimo ou máximo estas atividades estão inseridas na estrutura laboral, na rede organizacional, integradas ao fator de produção da empresa. Desta vinculação, que veremos mais a frente alguns denominam parassubordinação outros relação de dependência, que nada mais é que a já referida mais-valia ou benefício de energia de trabalho pelo tomador, é que se extrai a possibilidade de estabelecer um novo conceito de contrato de trabalho ou relação de emprego.

2.2. Terceirização

Neste contexto de alterações de estruturas econômico financeiras e a exigência de maior produtividade com menor custo para melhor competir o trabalhador, como já referimos, as relações de trabalho foram atingidas em cheio em decorrência da necessidade de redução dos custos por meio da flexibilização de direitos. A terceirização é uma das formas que os empresários inicialmente encontraram para alcançar o objetivo juntamente com outras formas, como a proposta de desregulamentação e a pejotização.

A Terceirização serviria inicialmente para especialização da atividade empresarial em sua atividade não gastando energia com atividade que servem simplesmente para dar suporte àquela. A especialização própria se justifica e é razoável para que uma empresa possa valer-se de técnicas que não tem e que não podem ser atendidas pelos seus próprios empregados ou para aquelas atividades que não justifique interesse empresarial, como limpeza e conservação.

“A terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente” . É a descentralização, subcontratação de serviços periféricos visando a especialização.

Inicialmente a CLT somente previu a subempreitada (art. 455) e a pequena empreitada (art. 652, a, III). Com a necessidade alegada pelos empresários, surgiram outras tantas formas de terceirização stricto sensu como os previstos para trabalho temporário, vigilância, conservação e limpeza. Não existe regulamentação de terceirização como regra geral, sendo que ainda hoje tais relações são regidas pelos conceitos estabelecidos na Súmula 331 do TST que estabelece como lícito terceirização em atividade-meio, sendo ilícita a mesma em atividade-fim.

O problema que se enfrenta agora é saber o que é atividade-fim e atividade-meio?

Para Amauri Mascaro Nascimento:

“atividade-meio são as que não coincidem com os fins da empresa contratante, e atividades-fim são aquelas que coincidem (exs. Estabelecimento bancário que contrata empresa de serviços de vigilância, está contratando atividades-meio, mas se contratar empresa de serviços de caixa, trata-se de atividade-fim; a escola que se vale de empresa de limpeza, está contratando atividade-meio, mas se contratar empresa de professores, estará contratando atividade-fim, coincidente com os fins da escola).” 

Para o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado:

“atividades-fim podem ser conceituadas como as funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São ,portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços. Já as atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador.” 

O problema existe porque a terceirização em sentido amplo seguiu em uma onda crescente e criativa de terceirização até um ponto onde não se pode mais se afirmar com certeza o que é terceirização lícita ou ilícita,ou seja, se o que foi subcontratado foi atividade-meio ou fim (intermediação de mão de obra). O processo produtivo hoje é muito diferente do tradicional modelo fordista. Um bom exemplo dessa complexa realidade são as montadoras de veículos. A atividade-fim destas empresas é considerada a própria montagem! Neste ensejo as “montadoras” podem subcontratar todas, repito, todas as peças para a montagem do carro, do pneu ao motor, desvinculando quanto a estes de qualquer encargo ou responsabilidade.

Outro exemplo que demonstra bem a desvairada amplitude do conceito atividade-meio veio do próprio legislador no que se refere a regulamentação do setor de telecomunicação. Vejamos a lei 9.472/97 no seu artigo 94 :

Art. 94. No cumprimento de seus deveres, a concessionária poderá, observadas as condições e limites estabelecidos pela Agência:

II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço, bem como a implementação de projetos associados.

Pois bem, o que seria atividades inerentes, complementares e implementação de projetos no meio de telecomunicação? Nos parece que quase tudo como se vê, também, no artigo 61 da mesma lei, ou seja, a lei autoriza a terceirização em atividade-fim malferindo a legislação trabalhista e o patamar civilizatório mínimo constitucionalmente resguardado.

A lei 8.987/95, também, autoriza em seu artigo 25 a contratação de terceiros para o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados. Cabendo aqui as mesmas críticas.

Com a expansão desenfreada de terceirizações nos parece que o conceito desta figura se tornou um tanto indeterminado, o que gera, juntamente com a falta de regulamentação, um caos jurídico e acaba facilitando a fraude de direitos trabalhistas.

2.3. Os Efeitos da Terceirização

A terceirização gera infinitos efeitos, como a responsabilização quanto às verbas trabalhista e acidentária, geração de vínculo empregatício com o tomador (terceirização ilícita), possibilidade de isonomia salarial com os trabalhadores do tomador e enquadramento sindical conforme o mesmo, dentre outros. Destacamos dentre eles a responsabilização quanto às verbas trabalhistas e decorrentes do acidente de trabalho.

A súmula 331 traz que é de responsabilidade subsidiária do tomador as verbas trabalhistas decorrentes do inadimplemento das mesmas pelo empregador. A regra quando se trata de terceirização lícita é esta. A mesma súmula traz que quanto à terceirização ilícita gera o vínculo com o tomador gerando pois responsabilidade direta e solidária, consubstanciada no art. 9° da CLT, decorrente de fraude.
 
A jurisprudência tem se ampliado no sentido de responsabilização, principalmente no que concerne a acidente de trabalho, pois em relação a este tem-se entendido que a tomadora, também, tem responsabilidade pelo ambiente de trabalho, possuindo responsabilidade objetiva.

Em ambos os casos ainda tem-se aplicado a regra do abuso do direito. Entende-se que o empresário quer usufruir da energia de trabalho, auferindo lucro e simplesmente se isentar das consequentes responsabilidades. O abuso de direito estaria caracterizado quando o empregador direto não consegue arcar com as responsabilidades da relação jurídica com o trabalhador e o tomador tem condições de arcar com as mesmas, não podendo neste caso prevalecer os interesses empresariais de lucro e benefício resultante da exploração do trabalho frente ao trabalhador desamparado e com verbas a receber.

Esta visão jurisprudencial de condenação extensiva tem gerado uma tendência ao retorno da centralização.

Com a ampliação, extensão e problemas decorrentes das figuras de terceirização a dificuldade de subsunção ao conceito clássico de contrato de trabalho subordinado que já existia, como vimos quanto aos altos-empregados, teletrabalho, representante comercial, dentre outros; hoje é ainda maior e demanda uma solução ou ao menos uma corrida ao debate e propostas de novos formatos para este novo meio de produção.

3. PROPOSTA DE NOVO CONCEITO DE CONTRATO DE TRABALHO

Para visualizarmos a problematização proposta vejamos o seguinte exemplo colacionado por dois juízes do trabalho. 

“A CLT e a Lei 5.889/73, não deixavam dúvidas quanto à resposta, já que a cada atividade econômica corresponde um único sujeito de deveres que admite, dirige e assalaria, assumindo os riscos da atividade. Mas a nova organização produtiva suscita novos problemas, por exemplo, quando a terra é arrendada, a colheitadeira pertence a um terceiro, outro, ainda, remunera o empregado e um quinto sujeito de direito se encarrega da aquisição dos insumos, do planejamento do plantio, do manejo e da comercialização, além de se encarregar de repartir entre os demais integrantes a renda auferida com a comercialização. Quem, afinal, seria o empregador do operador da colheitadeira? ”

Quando há mais de um dono dos meios de produção, quando outro remunera e ainda outros são  beneficiários da energia de trabalho deste trabalhador, quem deve ser o responsável jurídico por esta relação jurídica?

Por certo o conceito tradicional de contrato de trabalho ou relação de emprego não é suficiente para responder este questionamentos.

Uma nova teorização se faz necessária. Quais seriam, portanto, os referenciais ou ponto de partida para iniciarmos esta discussão. Vejamos a feliz colocação de Everaldo Gaspar Lopes de Andrade a respeito da possibilidade de novo conceito.

“A partir de qual objeto? A partir do trabalho humano, sem dúvida. Ou melhor, a partir do trabalho livre e de todas as formas ou alternativas de trabalho e rendas compatíveis com a dignidade humana. Mas, nessa fase de transição societária, é preciso proteger ainda mais o trabalho dependente.” 

Dentre as novas e velhas formas de trabalhos onde se evidencia a problematização de subsunção no conceito de relação de emprego, uma característica nos parece ser coincidente, a dependência. A dependência referida se refere ao conceito de dependência jurídica e não econômica ou intelectual. Dependência jurídica no sentido de estar o trabalhador vinculado à estrutura da empresa, de estar os seus serviços prestados inseridos na necessidade empresarial, na rede produtiva. A este conceito de dependência alguns doutrinadores, que também propõem novo conceito, dão diferente denominação: subordinação-estrutural, subordinação-reticular, subordinação-organizacional, autônomo economicamente-dependente, parassubordinado, dentre outros. Para nós todos esses nomes querem chegar ao mesmo ponto, integrar o “novo-trabalhador” à estrutura justrabalhista, ainda que de forma diferenciada e ainda que cheguem a proposta finais diversas e os caminhos e conceitos propostos sejam diferente. Ainda reafirmamos que se trata de um mesmo estudo, qual seja a necessidade de reenquadramento ou releitura do conceito de contrato de trabalho com base nas alterações dos meios de produção.

Para alguns basta falar em revalorização do conceito tradicional, atualizando o conceito de subordinação jurídica como resposta, enfrentando este conceito de modo dinâmico. Para outros trata-se de um terceiro gênero, inclusive, quanto aos efeitos deste enquadramento.

Para se chegar a esta nova abordagem alguns utilizam um novo conceito de subordinação (ou entendem tal conceito como sendo dependência, como nós) e outros o fazem com base no conceito de trabalho por alienabilidade.

3.1. Trabalho por Conta Alheia

Alienabilidade, alienação, alteridade, ajenidad ou trabalho por conta alheia. A nova base jurídica teria como fundo de inclusão conceitual todo trabalho por conta alheia, ou, cujo risco do empreendimento não seja arcado pelo trabalhador.

A alienação do produto do trabalho, ou seja, a secção entre os sujeitos da produção imediata (trabalhador) e da apropriação primária da mercadoria (patrão) é, pois, o ato que constituiria a existência, inclusive, jurídica da relação de emprego, ato esse cuja causa é justamente a natureza da alienabilidade das condições de trabalho comum e inerente ao capitalismo.

Neste sentido se tornaria possível solucionar os problemas que citamos inicialmente. Por exemplo, para se saber se um trabalhador é empregado vendedor externo ou representante comercial autônomo bastaria perguntar se o trabalhador faz seu trabalho por conta própria, inclusive, correndo os riscos do empreendimento ou se está vinculado direta e totalmente à estrutura de empreendimento alheio.

Neste conceito, a subordinação, como elemento fático-jurídico da relação de emprego deve ser avaliada conforme a atualidade. O que decorre hoje é que se coloca o trabalho alheio a disposição de outrem e o que evidencia a hierarquia á a própria estabilidade do processo produtivo e não mais o cumprimento de ordens diretas emanadas pelo superior hierárquico imediato.

3.2. Subordinação-Dependência

Como dissemos acima entendemos que a conceituação quanto a trabalho alheio não se difere mas incrementa somente a nova conceituação que para nós seria o elemento dependência. Dependência com base na nova subordinação incrementada pelo conceito “trabalho-alheio”.

Na verdade, entendemos que todas as propostas se baseiam em dependência ou subordinação material, ou seja, trabalho realizado por conta alheia, cuja energia de trabalho beneficia terceiro e está inserido em estrutura empresarial alheia formando um dos elementos do meio de produção.

Para chegar a este novo conceito alguns se baseiam na nova lei espanhola. Segundo Amauri Mascaro: sobre a Lei Espanhola, existiria dois tipos de autônomos: o autônomo clássico e o autônomo economicamente dependente.

“Aquele seria pessoa física que realize de forma habitual, pessoal, direta, por conta própria e fora do âmbito de direção e organização de outra pessoa, uma atividade econômica ou profissional a título lucrativo, dêem ou não ocupação a trabalhadores por conta alheia, este o que obtém o seu ganho concentrado em um comitente para o qual exerce a maior parte da sua atividade.” 

Os conceitos seriam similares aos propostos e ainda à parassubordinado ou parasubordinato, na Itália, economically dependet worker ou quasi-sibordinate worker, na Inglaterra, arbeitnehmeranliche person, na Alemanha ou autónomo-dependiente, na Espanha.
 
Mas a grande parte dos que se habilitam a enfrentar o problema tomam por base o conceito diferenciado de subordinação, capitaneado pelo Ministro Maurício Godinho Delgado.

Segundo Godinho:

“subordinação estrutural é a que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber(ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento. Subordinação supera as dificuldades de enquadramento de situações fáticas que o conceito clássico de subordinação tem demonstrado, dificuldades que se exarcebam em face, especialmente, do fenômeno contemporâneo da terceirização trabalhista. Viabiliza não apenas alargar o campo de incidência do direito do trabalho, como também conferir resposta normativa eficaz a alguns de seus mais recentes instrumentos desestabilizadores, em especial a terceirização.¨ 

Segundo Souto Maior “a subordinação, vale lembrar, não se caracteriza por uma relação de poder entre pessoas, mas sobre a atividade exercida (MAIOR apud GODINHO, 2006, p. 62).” Para a OIT trata-se de relações de trabalho de ambiguidade objetiva.

Para nós, trabalhador supostamente autônomo, mas habitualmente inserido na atividade produtiva alheia, a despeito de ter controle relativo relativo sobre o próprio trabalho, não detém nenhum controle sobre a atividade econômica. Se a prestação desse trabalho ingressa na empresa por meio de um contrato de prestação de trabalho autônomo, mas adere às atividades da empresa, ou de uma das unidades da rede empresarial, a disposição do trabalho subsiste pelo tomador ou tomadores, já que a impessoalidade da disposição do trabalho não afasta a circunstância de ter sido contratado para desenvolver atividade e não resultado. Desta forma, a relação subordinação-dependência estar-se-ía caracterizada.

Para alguns, como Marcus Menezes Barberino Mendes e José Eduardo de Resende Chaves Júnior “a súmula 331 teria adotado a subordinação reticular, ou, subordinação do trabalhador à rede-empresarial”. Não acreditamos que a súmula tenha adotado tais conceitos até porque são posteriores à mesma. O que ocorre, no entanto, é que a Jurisprudência, inclusive, do TST vem ainda que implicitamente adotando os conceitos aqui citados.

TST julga irregular contratação de trabalhadores terceirizados da CELG

“ No segundo processo relativo a terceirização julgado hoje (28), desta vez nas Centrais Elétricas de Goiás, a Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho acolheu, por maioria de votos, embargos em recurso de revista do Ministério Público do Trabalho e considerou irregular a contratação de trabalhadores terceirizados para desempenhar atividades-fim na empresa. A empresa terá seis meses para substituir os trabalhadores terceirizados. Em votação apertada (8 a 6), a SDI-1 rejeitou a interpretação da Lei 8987/1995 que atribuía à expressão “atividades inerentes” o sentido de “atividade-fim”, adotada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) ao considerar regular a terceirização na CELG.
 
A ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho teve por objetivo obrigar a CELG a observar normas de segurança e medicina do trabalho e proibir a prática de terceirização. O MPT relatou a ocorrência de acidentes fatais envolvendo operários do setor de energia elétrica da CELG e da empreiteira COMAR. O sindicato da categoria apresentou denúncia de que os empregados das empreiteiras contratadas pela CELG comprovavam sua qualificação apenas com apresentação de cópia da carteira de trabalho. De acordo com o MPT, o número de acidentes de trabalho aumentou significativamente a partir de 1993, quando começaram as terceirizações na CELG. Naquela época, ocorreram 87 acidentes em 816 dias; em 1996, foram 132 acidentes em apenas 270 dias. A CELG, em sua defesa, afirmou que, desde a sua criação, a construção e a manutenção de subestações e redes de alta e baixa tensão são terceirizadas – e que a terceirização é necessária ao seu próprio funcionamento. 

Tanto a Vara do Trabalho quanto o Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO) rejeitaram a pretensão do Ministério Público por entender que a contratação tinha respaldo legal, e que a substituição de todos os terceirizados afetaria os serviços da CELG. A Quarta Turma do TST rejeitou o recurso de revista, levando o MPT a interpor embargos à SDI-1, no qual sustentou que a decisão contraria a Súmula 331 do TST, que restringe a terceirização às atividades-meio, como as de vigilância, higiene e limpeza e segurança, e aos casos em que se caracteriza a relação de emprego direto com o tomador.
 
Os embargos começaram a ser julgados em junho de 2008. O relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, votou pela sua rejeição por entender que a Lei 8987/1995, que rege as concessionárias e as permissionárias de serviços públicos, autoriza a terceirização da atividade-fim nas empresas de energia elétrica. “Não é possível entender que a empresa deva se abster de proceder a contratação de trabalhadores diante da existência de norma legal validando subcontratação no setor de energia elétrica”, assinalou em seu voto, onde faz distinção entre terceirização de atividade e terceirização de trabalho. “Entendo que a Súmula 331 do TST, quando trata da ilicitude da terceirização na atividade-fim, está a proibir a terceirização da prestação de trabalho, concorrente com a empresa tomadora, e não o fracionamento da atividade empresarial ao atribuir para outras empresas determinada linha de produção ou serviços”, explicou. 

Na sessão de hoje, Aloysio Corrêa da Veiga reiterou seu voto e defendeu que o que se tem de repelir é a precarização. “A Súmula 331 obriga quem contrata a fiscalizar o contratado, ao responsabilizar subsidiariamente o tomador de serviço, impedindo o descumprimento da legislação trabalhista e a fraude. Impedir a terceirização estaria na contra-mão da história.” 

O ministro Lelio Bentes Corrêa, ainda em 2008, abriu divergência e defendeu a aplicação, ao caso, da Súmula 331 do TST – uma jurpsirudência “de forte caráter restritivo e construída com base em princípio protetivo”. Para Lelio Bentes, “se a terceirização é um fenômeno do mundo globalizado, a precarização que vem com a terceirização também o é, e cabe ao Judiciário estabelecer oposição a esse fenômeno, especialmente em atividades que envolvem altíssimo grau de especialização e de perigo”. E destacou que “o risco de dano à saúde e à vida de um empregado mal treinado que execute suas tarefas na área de energia elétrica é enorme”. Em seguida, naquela ocasião, o ministro Vieira de Mello Filho pediu vista regimental. 

Ao trazer novamente a matéria a julgamento na sessão de hoje, Vieira de Mello Filho assinalou que a controvérsia “é extremamente complexa na seara trabalhista”, por conta da delimitação do que vem ser, na terceirização, atividade-fim e atividade-meio. Num longo voto, o ministro seguiu a divergência aberta pelo ministro Lelio e sustentou que a permissão contida na Lei 8987/1995 relativa à terceirização tem caráter administrativo, e não trabalhista. “A legislação trabalhista protege, substancialmente, um valor: o trabalho humano, prestado em benefício de outrem, de forma não eventual, oneroso e sob subordinação jurídica”, afirmou o ministro. “E o protege sob o influxo de outro princípio maior, o da dignidade da pessoa humana.” Aplicar uma norma administrativa a questões fundamentais do âmbito trabalhista seria, no seu entendimento, “a interdisciplinaridade às avessas, pois a norma geral estaria a rejeitar a norma especial e seu instituto fundamental.” 

Para Vieira de Mello, a terceirização de atividades-fim, além de contrariar o fundamento da legislação trabalhista, “traria conseqüências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva”. Uma das consequências seria o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da multiplicação do número de empregadores. Quanto à palavra “inerente”, cerne da controvérsia, que, para o relator, autoriza a terceirização de atividade-fim, o ministro defendeu que “o termo não conceitua, delimita apenas”. 

A corrente divergente aberta pelo ministro Lelio Bentes e seguida pelo ministro Vieira de Mello Filho teve a adesão dos ministros João Oreste Dalazen, Carlos Alberto, Horácio de Senna Pires, Rosa Maria Weber, Maria de Assis Calsing e pelo juiz convocado Douglas Alencar Rodrigues. Seguiram o relator os ministros Vantuil Abdala, Brito Pereira, Cristina Peduzzi, Guilherme Caputo Bastos e o presidente do TST, ministro Milton de Moura França. 

Ao proferir seu voto, o ministro Moura França posicionou-se favorável à terceirização no caso da CELG. “O legislador, embora às vezes seja impreciso, não emprega termos que estejam fora de uma conotação jurídica”, disse. “O termo ‘inerente’ que aparece na Lei 8987/1995 significa peculiar, que lhe é próprio. A lei fala, ainda, em atividades acessórias e complementares. Não há, a meu ver, nenhuma dúvida quanto ao sentido e ao alcance da norma.” Para o presidente do TST, a terceirização, desde que observada a legislação e as normas de proteção ao trabalhador, não resultam em precarização nem ofendem o princípio da dignidade humana. “O que é realmente ofensivo á dignidade humana é o trabalhador não ter emprego, não ter meios de subsistência, de educar os filhos, viver na marginalidade sem nenhuma proteção jurídica, trabalhando sem direitos”, disse. “A Constituição brasileira estabelece os direitos do trabalhador. Se eles estão sendo cumpridos, isso é precarizar?”, questionou. ( E-RR - 586341/1999.4) 

“ Depois de comprovar a subordinação à Sadia S.A., onde trabalhou diretamente na linha de encaixotamento de margarina, empregado terceirizado obtém vínculo com a indústria de alimentos. O trabalhador foi contratado como auxiliar de serviços gerais por uma empresa terceirizada, prestadora de serviços, e a operação foi considerada fraudulenta pelo Justiça do Trabalho, pois não havia nada que justificasse qualquer terceirização ou locação de mão-de-obra. 

O Tribunal Superior do Trabalho, em recurso de revista apreciado pela Quinta Turma, manteve, quanto ao vínculo, o mesmo entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR). A alteração realizada na decisão do Regional foi somente em relação ao cálculo do adicional de insalubridade, pedido pelo trabalhador e concedido pelas instâncias anteriores. A mudança foi para determinar a utilização do salário mínimo, e não o salário contratual, como base de cálculo. 

Ao confirmar o julgamento da Vara do Trabalho de Paranaguá, o TRT/PR considerou que as atividades de embalar e encaixotar margarinas incluem-se entre as atividades-fim da Sadia, pois são necessárias para a comercialização do produto e imprescindíveis ao processo de produção. 

Para o Tribunal Regional, a Sadia foi a única beneficiária da mão-de-obra do trabalhador, e a empresa terceirizada serviu apenas como intermediadora. O TRT/PR julgou, assim, que a terceirização foi fraudulenta, e o vínculo de emprego era, na verdade, diretamente com a tomadora dos serviços. 

O industriário foi admitido na Arnaldo Pereira da Silva e Cia. Ltda. em abril de 1998 e demitido em agosto de 1999. Foi contratado para prestar serviços na Sadia na área de encaixotamento de potes de margarina e limpeza do local. Na ação reclamatória, pleiteou além do vínculo de emprego, horas extras e adicional de insalubridade (devido à exposição a ruído excessivo), entre outros. 

Na análise do recurso de revista no TST, o relator, ministro João Batista Brito Pereira, verificou que o Tribunal Regional foi conclusivo no sentido de que o trabalhador preenchera os requisitos previstos no art. 3º da CLT, existindo todos os pressupostos da relação de emprego com a Sadia.” (RR-162/2001-022-09-00.5) 

3.3. Fundamentos para o Novo Conceito

Além da análise já feita quanto aos termos trabalho alheio e “subordinação-dependência”, outros elementos também corroboram para se chegar à leitura acima proposta.

A Constituição Federal e o Novo Código Civil, inspirado por esta, são as principais fontes para chegarmos a uma proposta para a problematização proposta. Ressalta-se que os princípios e normas que veremos é de aplicação plena na matéria contratos e de aplicabilidade ainda mais justificável na matéria de contratos trabalhistas pois ,como vimos no início, estes além de ter base no contrato em geral ainda possui a especificidade de tratar de matéria de cunho alimentar, protegido constitucionalmente.

A Constituição Federal ou Carta cidadã, como é conhecida, possui bases diferenciadas de incidência de seus preceitos. O neoconstitucionalismo, teoria hoje aplicada, estabelece que os preceitos constitucionais possuem força normativa imediata, ainda que mínima. Prescreve ainda que da Carta emana eficácia normativa dos seus Princípios. Tal interpretação gera ainda Princípio da concordância prática em caso de confronto aparente de normas, com prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana e da função social da propriedade; Princípio da Máxima efetividade e Princípio da Interpretação Conforme.

Esta rede principiológica estabelece segundo o neoconstitucionalismo o diálogo das fontes, ou seja, a aplicação de normas constitucionais prevalecentes e ainda de regras que estejam mais de acordo com a Constituição ainda que contrariem a norma que seria aplicável como regra geral. Ótimo exemplo desta ocorrência é na proposta de novo conceito do contrato de trabalho ou relação de emprego onde deve prevalecer a incidência constitucional de prevalência do princípio da dignidade da ´pessoa humana frente à livre iniciativa.

Tal incidência de norma constitucional fundamental intervencionista, frente às relações privadas, é denominada de eficácia horizontal dos direitos humanos. Esta aplicação se dá sob pena da constitucionalização se tornar palavra morta.

À presença de institutos de Direito Civil na Constituição denominamos Constitucionalização do Direito Civil (Constituição Dirigente ou Analítica). Dentre os preceitos aplicáveis ao contrato de trabalho destacamos o sobreprincípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) que estabelece a prevalência do objeto principal que é o homem e não mais a coisa. Destaca-se, ainda, o Estado Democrático de Direito, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, IV), solidariedade e sociedade justa (art. 3º, I), isonomia substancial (art. 3º, III), função social (art. 5º, XXIII) e art. 170 caput e III. 

Em especial destaca-se que a Constituição traz a prevalência dos valores sociais do trabalho sobre a livre iniciativa o que por si só já poderia fundamentar para nós todo a nossa proposta de novo conceito pois evidente é a tentativa de elisão da imputação de responsabilidade pelo risco da atividade quando da descentralização de atividades no novo modelo de trabalho acima estudadas.

O Novo Código Civil trouxe com base na Constituição Federal como princípios a operabilidade, socialidade e eticidade. O primeiro se refere à simplificação de regras e procedimentos, o segundo a uma prevalência do social sobre o particular (função social) e o terceiro sobre a prevalência da ética e conduta( boa-fé).

Com isso volta-se à necessidade de intervencionismo Estatal visando proteção dos interesses da coletividade frente aos interesses individuais dominantes, inserindo para isso as novas funções do contrato como função social e solidariedade.

Contrato como instrumento de convívio social, regulamentação das relações individuais mas sempre com observância no interesse da coletividade e no bem comum.

O Novo Código Civil é um sistema aberto de normas, trazendo novas funções do contrato e princípios aplicáveis ao mesmo devido a impossibilidade da norma acompanhar os fatos, trazendo uma necessidade do papel pró-ativo do juiz.
As chamadas cláusulas abertas e conceitos indeterminados são como forma de inserção dos direitos fundamentais no contrato de observância obrigatória pelo juiz, ensejando interpretação conforme , função instrumentalizadora, sentença integrativa ou determinativa, quando chegar o problema ao Judiciário. Cabe ao juiz dar o conteúdo da norma a correspondência adequada aos fatos.

Portanto, a releitura proposta está em plena consonância com os preceitos constitucionais e do Novo Código Civil.
A função social do contrato é cláusula implícita de todos os contratos e limita a relatividade.

A boa-fé objetiva é regra de conduta, comportamento esperado. Trata-se de cláusula geral e implícita, limita a autonomia privada. Gera os deveres anexos de conduta quanto à razão e fim do contrato (fase pré e pós-contratual). Gera a ética contratual, lealdade, cooperação, informação (teoria da confiança).

Estes institutos são janelas para a aplicação dos direitos constitucionais aos direitos individuais. “Suas funções interpretativa, criação de deveres, limitação do exercício de direitos subjetivos podem gerar, em especial o abuso de direito, art. 186 do C.C (TEPEDINO, 2003, p. 98).

Com base nos artigos 186, 421, 422 e 2035, parágrafo único, do Código Civil e consubstanciados nos preceitos constitucionais já colacionados concluímos que o conceito proposto de relação de trabalho está de acordo com o regramento pátrio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Os princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana não absorvem fórmulas regentes da relação de emprego que retirem tal vínculo do patamar civilizatório mínimo afirmado pela ordem jurídica contemporânea” . Como vimos, os preceitos constitucionais e todo o regramento pátrio vem na incidência da prevalência do interesse social sobre o particular, ou seja, prevalência do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (objeto pessoa) sobre o particular, isto é, livre iniciativa. O anseio de lucro empresarial não pode jamais prevalecer sobre os direitos mínimos e intuito protetivo dos conceitos jurídicos ao trabalhador sob pena de gerar injustiça social.

Decorre do princípio da proteção o princípio da interpretação mais benéfica. Segundo este princípio e com base nos preceitos constitucionais e do Novo Código Civil chegamos à conclusão de que para se assegurar os direitos mínimos do trabalhador e observar seu patamar civilizatório mínimo cabe nova abordagem dos elementos da relação de emprego (Contrato de Trabalho) e por consequência novo conceito desta relação jurídica.

Esta nova proposta, como vimos, tem como base a centralização da pessoa humana e a tentativa de por fim ou pelo menos de iniciarmos um caminho visando a estabilidade das relações jurídicas trabalhistas e segurança jurídica com a prevalência dos direitos do trabalhador, constitucionalmente garantidos. Esta visão estabelece, com fulcro no princípio da solidariedade, a assunção dos riscos pelo beneficiário da exploração da energia de trabalho. Assim não se reconhecendo, estar-se-ía estabelecendo a prevalência da livre iniciativa o que vai de encontro com a Constituição e o Estado de Bem Estar Social.

A conclusão encontrada é de que trabalhador supostamente autônomo, mas habitualmente inserido na atividade produtiva alheia, a despeito de ter controle relativo relativo sobre o próprio trabalho, não detém nenhum controle sobre a atividade econômica. Se a prestação desse trabalho ingressa na empresa por meio de um contrato de prestação de trabalho autônomo, mas adere às atividades da empresa ou de uma das unidades da rede empresarial, a disposição do trabalho subsiste pelo tomador ou tomadores, já que a impessoalidade da disposição do trabalho não afasta a circunstância de ter sido contratado para desenvolver atividade e não resultado. Desta forma, a relação subordinação-dependência estar-se-ía caracterizada.

O modelo de produção ordem-subordinação é substituído pelo modelo colaboração-dependência.

A transferência de atividades, ainda que parcialmente, deve transferir também o risco econômico com repercussões econômicas e jurídicas. Concepção de relação de emprego como colaboração-dependência permite reconhecer legitimidade da terceirização e especialização sem ferir direitos. Entender diferentemente é assegurar malferimento de direitos constitucionalmente garantidos em prol do lucro e da exploração do trabalhador. Como vimos, a hermenêutica constitucional e justrabalhista manda não reduzir o potencial expansivo e protetivo do direito do trabalho, mas sim, com base no princípio da isonomia entre trabalhadores habituais e com prevalência do sobreprincípio da dignidade humana, procurar solução que faça a melhor leitura constitucional dos novos fatores sociais de produção, em especial o valor-trabalho.

O intuito do constituinte, reforçado com a EC 45 que trouxe para a competência da Justiça do Trabalho todas as relações de trabalho, nos parece, foi tratar de forma igual “os trabalhadores” já que se refere a estes de forma ampla no art. 7°. Portanto, o efeito desta nova conceituação proposta deve ser a de assemelhar direitos dos trabalhadores com os empregados. Uma tendência que já ocorre em outras relações como na do doméstico com o urbano e que já ocorreu em relação ao rural.

Não se pode aceitar que haja aproveitamento do trabalho alheio sem responsabilização. Sabemos que a proposta apresentada é passível de confronto e que possui falhas como a de gerar os mesmos efeitos ao autônomo-dependente do que ao típico empregado, até porque alguns direitos como o limite de jornada será até mesmo de difícil aplicação em alguns casos. No entanto, o que nos propomos a fazer foi ao menos iniciar uma problematização rumo à solução de um grave problema social que a cada dia que passa põe à margem do ordenamento existente uma infinidade de relações de trabalho e por trás disso, um mar de trabalhadores sem respaldo jurídico-social.

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