Aparecida
Tokumi Hashimoto
De acordo com o artigo 614, § 1º, da CLT (Consolidação
das Leis do Trabalho), as convenções e os acordos coletivos entram em vigor três
dias após a data da entrega dos mesmos no órgão do MTE (Ministério do Trabalho e
Emprego), ou seja, o prazo inicial da vigência da norma coletiva é de três dias
após a data da sua entrega no órgão local do MTE.
Da exegese do artigo
614, § 1º, da CLT verifica-se que as estipulações constantes das normas
coletivas somente valem para o futuro, porque a lei condiciona a vigência dos
ajustes coletivos a aspectos formais (depósito e registro no MTE) para impedir
que as partes estipulem posteriormente condições de trabalho relativamente a
situações fáticas já consumadas, com vistas a retirar direitos dos
trabalhadores.
Como o artigo 7º, XIV, da Constituição Federal (CF)
assegura aos trabalhadores do regime em turnos ininterruptos de revezamento a
jornada reduzida de seis horas, ressalvando a possibilidade de elastecimento da
referida jornada mediante negociação coletiva, várias empresas que não reduziram
a jornada de trabalho e nem pagaram horas extras começaram a regularizar essa
situação por meio de acordos coletivos com os sindicatos, o que levou os
trabalhadores atingidos a ingressarem com reclamações trabalhistas para postular
o pagamento das 7ª e 8ª horas como extraordinárias sob o fundamento de ser
inválida norma coletiva com efeito retroativo.
Devido as posições
contraditórias dos Tribunais Regionais do Trabalho, ora validando a
retroatividade da norma coletiva, ora invalidando-a, coube ao TST (Tribunal
Superior do Trabalho) pacificar a controvérsia, por meio da edição da Orientação
Jurisprudencial n. 420 da SDI-1.
O entendimento prevaleceu no Tribunal
Superior do Trabalho foi no sentido de que não é possível a celebração de norma
coletiva com efeitos retroativos para abarcar situações consolidadas antes de
sua formalização, sob pena de se ferir o ato jurídico perfeito e o direito
adquirido, resguardados pelo inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal.
Citamos alguns precedentes da Corte Superior:
"EMBARGOS - TURNOS
ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO - RETROATIVIDADE DA NORMA COLETIVA -
IMPOSSIBILIDADE. 1. Na espécie, restou consignado que o acordo coletivo de
trabalho de 1996/1997 estipulou que não seriam devidas, como extraordinárias, as
sétima e oitava horas, desde 1984. 2. Considerando que a Reclamante, como todos
os demais empregados da Reclamada, trabalhava em turnos ininterruptos de
revezamento com jornada de oito horas, é de rigor assumir o direito ao
pagamento, como extra, das sétima e oitava horas trabalhadas, nos termos do
artigo 7.º, inciso XIV, da Constituição. 3. Em se tratando, pois, de horas
extras já vencidas e não pagas, torna-se evidente a violação do ato jurídico
perfeito. 4. Além disso, o art. 614, § 3.º, da CLT veda a estipulação de
convenção ou acordo coletivo com prazo superior a dois anos. Nesse sentido, a
Súmula n.º 277 desta Corte: -As condições de trabalho alcançadas por força de
sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma
definitiva, os contratos- (grifei). 5. Constata-se, assim, ser incabível a
utilização da norma coletiva para regularizar situação pretérita, não havendo
falar em irretroatividade.- (TST-E-ED-RR-688555/2000.2, Rel. Min. Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi, SBDI-1, DJ 6/6/2008)
"RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO
ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 894 DA
CLT. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. NORMA COLETIVA. FIXAÇÃO RETROATIVA DE
JORNADA SUPERIOR A SEIS HORAS. VALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 896 DA CLT. Como as
condições alcançadas por instrumento normativo não aderem em definitivo aos
contratos, sendo inaplicáveis em período posterior ao prazo de vigência,
observado o limite fixado no artigo 614, § 3º, da CLT, na forma da Súmula 277
desta Corte, não se admite que haja pactuação para convalidar situação
pretérita, em desrespeito aos princípios da irretroatividade da norma e do
direito adquirido. A pactuação relativa à regularização da jornada de oito horas
diárias em trabalho em turno ininterrupto de revezamento para o período
pretérito à sua constituição é inválida e viola o disposto nos artigo 614, §
3.º, da CLT.- (TST-E-RR-724943/2001.9, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Paula,
SBDI-1, DJ 16/5/2008).
Contudo, entendemos que não é toda norma coletiva
celebrada com data retroativa que atrai a aplicação da OJ 420 da SDI-1/TST.
Podem as partes celebrar acordo coletivo retroativo a data-base se uma delas
notificou a outra na forma da lei para preservar a data-base e a retroação da
vigência da norma coletiva, já que uma negociação coletiva pode demorar vários
meses para encerrar. Nesse sentido, o seguinte julgado:
"RECURSO
ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA. RECURSO PATRONAL. BANCO DE HORAS. Os Acordos
Coletivos de Trabalho firmados entre o Sindicato obreiro e a empresa Requerida
com vistas à instituição do ´banco de horas´ não se fundamentaram na discussão e
deliberação dos trabalhadores diretamente interessados. Resultou incontroverso
nos autos a inexistência de Assembléia Geral específica para essa finalidade,
conforme determina o art. 612 da CLT. RECURSO DO MINISTÉRIO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO. CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS COM EFEITO RETROATIVO. Não há
determinação legal quanto ao prazo em que se devam encerrar as negociações
coletivas se estas prosperam para a celebração de acordo entre as partes, não
obstante ultrapassada a data-base. Conquanto, por analogia, o novo instrumento
consensual deva viger na data-base da categoria, é admissível que as negociações
ultrapassem esse prazo, e não há como intervir no processo que, essencialmente,
diz respeito ao interesse das partes" (TST, ROAA 28.005/2003-909-09.00.0; Seção
de Dissídios Coletivos, Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, DJU 23/05/2008, p.
21).
Por fim, com a recente alteração da redação da Súmula 277 do TST,
aprovada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14 de setembro de 2012
(Resolução 185/2012), vislumbramos outra exceção à celebração de acordo coletivo
com eficácia retroativa: quando o ajuste retrata condição de trabalho prevista
em acordo coletivo com vigência expirada e que continuou sendo observada pelas
partes interessadas. Isto porque se "as cláusulas normativas dos acordos
coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho
e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de
trabalho" (Súmula 277 do TST), a celebração de novo acordo coletivo após a
data-base teria apenas o papel de reafirmar a vontade das partes em mantê-la
intacta.
08/outubro/2012