sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Dependência e subordinação - Luiz Otávio Linhares Renault

“CONTRATO DE EMPREGO. PRESSUPOSTOS. A CLT E A SUA SEMÂNTICA. INTERPRETAÇÃO. CONCEITUALISMO E REALISMO. DEPENDÊNCIA E SUBORDINAÇÃO. O QUE TÊM DE COMUM INDEFINIDAMENTE E ALÉM TEMPO. PROCESSO PANÓPTICO DE HETERODIREÇÃO E DE CONTROLE DO TRABALHADOR NA SOCIEDADE PÓS-MODERNA. IDENTIFICAÇÃO DO TIPO CONTRATUAL JUSTRABALHISTA. SÍMBOLO E RELAÇÃO SIMBOLIZADA. Quanto mais se estuda e se pesquisa; quanto mais, em sua profunda raiz social, se volve e se revolve a terra e a essência da CLT, tanto mais fértil e atual ela se revela, em permanente mutação, fruto que foi da sabedoria dos seus autores (Professores Rego Monteiro, Oscar Saraiva, Dorval Lacerda, Segadas Viana e Arnaldo Sussekind), que a conceberam e a consolidaram para além do seu tempo, com os olhos postos no futuro, imprimindo-lhe, em determinados temas centrais, o sopro da modernidade a perder de vista, bem distante da época em que viviam, desprendidos que foram do conceitualismo, em prol do realismo social. Talvez e novamente com muita sabedoria, eles tenham antevisto que, com o passar dos anos e das décadas, persistiria a mesma dificuldade em torno de uma legislação social, destinada à proteção dos trabalhadores, em geral, humildes e iletrados, sem a necessária força política para embates legislativos em face do poder e da força econômica das empresas que, por disposição da lei, caput do art. 2o., constituem as empregadoras, isto é, as pessoas físicas ou jurídicas que integram o prestador de serviços em benefício da consecução de seus objetivos de produzir bens e serviços para o mercado, cada vez mais globalizado e competitivo do que nunca. Bom exemplo da modernidade legislativa de 1942/43, vindo das mãos de eminentes juristas, que, contrariando o pessimismo de Drummond, segundo o qual "os lírios não brotam das leis" (poema, Nosso Tempo), transformaram a realidade das relações trabalhistas em lírios, encontra-se no art. 3o. da CLT, que enverga os pressupostos da relação de emprego, aos quais devem se somar os requisitos de validade do respectivo contrato, obtidos pela via subsidiária do art. 104 do Código Civil capacidade, objeto lícito e forma, esta exigível apenas quando expressamente prevista em lei. No que tange à subordinação, o legislador, sem conceituá-la, a denominou, com sucesso perene, de dependência, também sem qualificá-la, o que permite a sua constante adaptação e transformação à realidade pelos intérpretes. A discussão em torno da natureza da dependência perde-se no tempo, vem do século passado e várias foram as suas acepções científicas, tendo em vista a influência histórico-doutrinária e jurisprudencial de cada país França, Alemanha, Itália e Espanha, principalmente. No Brasil, o legislador não qualificou a dependência não disse se ela seria técnica, econômica ou social. Fez bem. Aqui, a discussão não se revelou muito acirrada, porque, com o fluir do tempo, a dependência foi relacionada, isto é, foi identificada com a subordinação, que passou a ser jurídica: nasce e é inerente ao conceito de empresa e se instrumentaliza com o contrato, nas próprias veias da relação jurídica, pelas quais flui o comando integrativo e estrutural do trabalho alheio, heterodirigido nos limites da lei. Ocorre que esta acomodação científica relativamente tranquila se deveu essencialmente ao sistema fordista da produção, hegemônico durante cerca de cinquenta anos. Com a passagem da sociedade industrial para a sociedade informacional, baseada na internet de banda larga, no sistema hight tech de produção e de consumo em massa, sem precedentes na história humana, alteraram-se os paradigmas, agora próprios da pós-modernidade, em que as pessoas, a produção, os bens e serviços são muito diferentes se comparados com as décadas passadas. As empresas enxugaram custos e trabalhadores, reduziram os seus espaços físicos, terceirizaram e externalizaram grande parte e fases da produção. Assim, um novo modelo surgiu: no passado, a luz artificial mudou os ponteiros dos relógios das fábricas, impondo ao trabalhador novos usos e costumes; no presente, a internet eliminou o relógio de corda ou digital, assim como o relógio biológico, impondo intensos ritmos de trabalho, de forma atemporal, embora os prestadores de serviços, aparentemente, sejam mais livres, sejam aparentemente autônomos. Fernanda Nigri Faria, baseada em Foucault, sustenta que "na era contemporânea o sistema panóptico foi adaptado e continua sendo plenamente utilizado para controlar os atos mínimos, com as mesmas finalidades de disciplina, individualização, manutenção da ordem, maior produtividade, eliminação de tempos inúteis e constante sensação de vigilância, apenas com nova estrutura, com novos métodos". Por conseguinte, a subordinação continua sendo a sujeição, a dependência, de alguém que se encontra frente a outrem, só que por outros métodos, não tão intensos e visíveis, porque não mais tanto sobre a pessoa, porém sobre o resultado do trabalho. Estar sob dependência ou estar sob subordinação, é dizer que o prestador de serviços se encontra sob as ordens, que podem ser explícitas ou implícitas, rígidas ou maleáveis, constantes ou esporádicas, em ato ou em potência. Na sociedade pós-moderna, vale dizer na sociedade info-info (Chiarelli), a subordinação passou para a esfera objetiva, objetivada e derramada sobre a atividade econômica da empresa, alterando-se o eixo de imputação jurídica: do trabalhador para a empresa. Subordinação objetiva (Romita), estrutural (Godinho), ou integrativa (Lorena Porto), diluída e fluida no lugar da subordinação corpo a corpo ou boca a ouvido. Nessa perspectiva prospectiva, a dependência-subordinação aproxima-se muito da não eventualidade e da sujeição econômica, por duas razões básicas: a) inserção/integração objetiva do trabalhador no eixo, na estrutura, na dinâmica da atividade econômica; b) dependência econômica, que, embora não seja uma característica uniforme, alcança, cada vez mais, maior número de trabalhadores, pelo que pode ser, pelo menos, um forte sintoma do tipo jurídico. Em casos limites, quando as fronteiras são zigue-zagueantes (Catharino), a subordinação vem deixando mais e mais de configurar-se pela ação. Restos de um modelo que se despedaçou, cujos gomos e fragmentos se repartem e se modificam, mas que são encontrados no determinismo atual do art. 3o.. da CLT, considerando-se a aglutinação produtiva das diversas células da atividade econômica. Nesse contexto sócio-econômico, tempos de busca, de inclusão e de justiça social, uma nova faceta da subordinação se descortina: sub(sob)ord(ordem)inação(sem ação), tendo em vista não mais os comandos e as fórmulas clássicas, porém a integração objetiva do trabalhador na estrutura, no eixo, na dinâmica da atividade empresarial. (TRT 3ª Reg. – 4ª T. – RO 00393-2007-016-03-00-5 – Rel. Des. Luiz Otávio Linhares Renault – DJMG 31/05/2008, p. 11)”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário