terça-feira, 23 de novembro de 2010

Punitive Damages (ou indenizações punitivas)

Por Bruno Bianco Leal, do site SOS Concurseiros.

Queridos e queridas, a cada dia que passa o estudo comparado das ciências jurídicas ganha importância e expressão mundial. Os problemas, diuturnamente, deixam de ser locais e passam a ser plurilocais, fato que enseja um intercâmbio jurídico-cultural muito mais profundo que a mera comparação ou troca de experiências, outrora comuns.

Nesse sentir, institutos tidos como “bem sucedidos” em outros ordenamentos jurídicos são introduzidos – e muito bem aceitos, diga-se de passagem – em nosso Direito Pátrio. Se assim o é, tais institutos são de conhecimento obrigatório pelos profissionais da área, já que bastante difundidos doutrinária e jurisprudencialmente.

Exemplo emblemático desse intercâmbio jurídico-cultural são os punitive damages, ou indenizações punitivas, os quais, de origem romana, aprimorados pelos ingleses, e desenvolvidos pelos norte-americanos, em franca oposição às indenizações compensatórias (compensatory damages), consistem na fixação de indenização francamente superior ao necessário à reparação dos danos causados, de sorte a punir e prevenir (educando, dando exemplo, inibindo etc.) ao mesmo tempo.

Como consabido, em matéria de responsabilidade civil, a tradição brasileira é no sentido da mera reparação - compensação dos danos causados – retornando a situação ao status quo ante,relegando a função de punir, exclusivamente, ao campo penal, caso haja tipificação legal para tanto (Costa e Pargendler, Usos e Abusos da Função Punitiva – punitive damages e o Direito brasileiro, p. 16).

Justamente nesse ponto que se insere a Doutrina dos Punitive Damages, eis que visa afastar esta vetusta idéia segundo a qual a mera reparação é apta a gerar pacificação social, mesmo em âmbito privatístico. Visa, outrossim, introduzir no âmbito do direito civil, a idéia de pena ou sanção privada.

Nesse sentido, deveras oportuno é o entendimento de Judith Martins-Costa e Mariana Souza Pargendler, exarado no artigo acima citado; vejamos:

O antigo instituto, voltado a reparar danos injustamente sofridos pelos indivíduos, não estaria imune a fenômenos sociais próprios das sociedades hiper-industrializadas nem às escolhas jurídico-axiológicas dessas mesmas sociedades, tal qual, exemplificativamente, a proteção ao consumidor como sujeito jurídico em si mesmo vulnerável ou a classificação do meio-ambiente entre os bens de uso comum do povo, com caráter de essencialidade à sadia qualidade de vida, como faz a Constituição brasileira. Afirma-se como necessário um instituto apto a coibir ou a desestimular certos danos particularmente graves cuja dimensão é transindividual, ou comunitária, sendo certo que a pena pecuniária é eficiente fator de desestímulo.


Não mais se coaduna, portanto, com os anseios sociais hodiernos, a mera recomposição dos danos causados às vitimas, o que gera, por exemplo, inadmissíveis estudos de viabilidade pautados no binômio custo/benefício, sopesando-se o benefício auferido com a lesão e o valor da indenização que, eventualmente, deverá ser paga.  Exemplo dessas práticas pode ser facilmente encontrado no âmbito da publicidade abusiva e/ou enganosa, já que a abrangência e os lucros auferidos são, em regra, significativamente mais amplos que o valor das indenizações que deverão ser pagas.

Assim, é de rigor a aplicação de uma punição maximizada, que sirva, além de reparar, para inibir aquelas condutas indesejáveis e inaceitáveis pelo Sistema.

Nota-se, pois, que o foco da responsabilidade deixa de ser o dano, passando a ser o seu causador, o qual, por conta da sua conduta, deverá ser punido, pecuniariamente, de sorte a ser educado e a educar a sociedade, por meio do exemplo, inibindo condutas análogas.

Ocorre que, lembram as autoras acima citadas (mesmo artigo, p. 19), os punitive damages, nos termos do delineamento norte-americano, não podem ser aplicados indistintamente, o que geraria abusos por parte dos julgadores. Devem, portanto, ser restritos ao âmbito da responsabilidade extracontratual, desde que verificadas circunstâncias que evidenciam o dolo do infrator.

Tais balizas, dentre outras, foram estabelecidas pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América em alguns de seus precedentes.

Para exemplificar, conforme fizeram as autoras multicitadas, vale fazer referência ao caso Ford Corporation v. Grimshaw (1981), versante sobre um acidente com morte por conta da explosão de um veículo daquela marca. Verificou-se que o acidente decorreu da alocação voluntariamente inadequada do tanque do carburador do veículo, o que gerou ao fabricante uma economia de 15 (quinze) dólares por unidade produzida.  Nesse caso, a empresa foi condenada ao pagamento de quantia significativa a título de punitive damage.

Com relação ao Direito brasileiro, grande parte da discussão referente à aplicação dos punitive damages cinge-se às indenizações por danos morais, especialmente pela tradição arraigada da dificuldade de se indenizar algo que não tenha gerado prejuízo.

No entanto, a evolução destes pensamentos tem gerado recentes e paradigmáticos julgamentos, os quais afirmam que a função da indenização por danos morais é compensar a dor moral sofrida pela vítima, punir o ofensor, e desestimular este e outros membros da sociedade à prática de condutas daquela natureza (STJ, REsp 337.739/SP).

Noutro sentir, há quem entenda, a exemplo de João Antônio César da Motta, que o parágrafo único do art. 103 da Lei nº. 9.610/98 – Lei dos Direitos Autorais, prevê expressamente a aplicação de punitive damages em caso de edição de obra artística, literária ou científica, sem autorização do titular. Sendo assim, é de rigor a citação do dispositivo, mas não sem antes fazer a ressalva de que esta opinião é isolada, mas merece total respeito face à coerência, novidade e escassez de material referente à temática; vejamos:

Art.103 - Quem editar obra literária, artística ou científica, sem autorização do titular, perderá para este os exemplares que se apreenderem e pagar-lhe-á a preço dos que tiver vendido. 
Parágrafo único. Não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos.

Por derradeiro, cumpre citar a ementa de recente julgamento do Supremo Tribunal Federal no qual se alude, expressamente, à Doutrina dos Punitive Damages:

Responsabilidade Civil Objetiva do Estado - Dano Causado em Hospital Público (Transcrições)

AI 455846/RJ*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. ELEMENTOS ESTRUTURAIS. PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. FATO DANOSO PARA O OFENDIDO, RESULTANTE DE ATUAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO NO DESEMPENHO DE ATIVIDADE MÉDICA. PROCEDIMENTO EXECUTADO EM HOSPITAL PÚBLICO. DANO MORAL. RESSARCIBILIDADE. DUPLA FUNÇÃO DA INDENIZAÇÃO CIVIL POR DANO MORAL (REPARAÇÃO-SANÇÃO): (a) CARÁTER PUNITIVO OU INIBITÓRIO ("EXEMPLARY OR PUNITIVE DAMAGES") E (b) NATUREZA COMPENSATÓRIA OU REPARATÓRIA. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
  
REFERÊNCIA:

COSTA, Judith Martins e PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva – punitive damages e o direito brasileiro. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/revista/numero28/artigo02.pdf.


Para uma fonte extra de estudo, conheça a monografia de Leonardo Freire Saraiva, disponível na Biblioteca Digital Franklin Delano Roosevelt, acessando o seguinte link: http://www.usembassyprograms.org.br/bdfdr/handle/123456789/44

OBSERVAÇÃO 1:
Punitive damages - danos punitivos - orígem no Direito Norte-Americano
Exemplary damages - os mesmos danos punitivos no Direito Inglês
Compensatory damages - são os danos compensatórios da vítima (ex: danos morais)

OBSERVAÇÃO 2:
Os PUNITIVE DAMAGES não são um instituto de direito material quando impostos pelo juiz, na realidade do caso concreto. Isso não implica dizer que não possam ser alvo de pactuação entre partes na celebração de um dado negócio jurídico, o que os tornaria uma penalidade de natureza material, mesmo se exigida em juízo.

OBSERVAÇÃO 3:
Segundo o Juiz do Trabalho da 4ª Região, Dr. Rodrigo Trindade de Souza, os PUNITIVE DAMAGES devem se voltar para a inibição do dano social/dumping social, de modo que as indenizações daí decorrentes não se destinem à parte ofendida na ação individual, mas a entes de favorecimento coletivo laboral, a exemplo do FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador. (Punitive damages e o direito do trabalho brasileiro - adequação das condenações punitivas para a necessária repressão da delinquência patronal. Revista LTr, ano 75-05, maio de 2011, pp. 572/587). 

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