quarta-feira, 12 de junho de 2013

Prescrição do doméstico - esboço das diversas posições

(Tuti)

Segue um breve esboço das posições que a doutrina e jurisprudência vêm adotando sobre a prescrição do doméstico:

Sabemos nós que a CLT não inclui os empregados domésticos no campo de aplicação de suas normas, como determina no seu art. 7º, “a”.
A Consolidação deixa para uma norma específica a regulação da matéria. A Lei em questão é a Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Diante disso, deparamo-nos com a seguinte situação: a CLT não se aplica ao doméstico; então suas normas sobre a prescrição não poderiam ser aplicadas a essa categoria de trabalhadores. A lei que regulamenta a matéria deveria, então, trazer dispositivo que determinasse o prazo a ser aplicado para a prescrição dos créditos trabalhistas dos empregados domésticos. Mas não é isso o que ocorre. A Lei 5.859/72 não traz nenhum artigo regulando a matéria.
Vimos acima que a Constituição Federal traz um inciso no seu artigo 7º, o inciso XXIX, que trata da prescrição trabalhista, revogando tacitamente o art. 11 da CLT. O mesmo art. 7º da Carta Magna traz os incisos que se aplicam aos empregados domésticos e exclui o inciso XXIX, que trata da prescrição. Diante desse cenário, qual o prazo a ser aplicado?
A doutrina e a jurisprudência trabalhista trazem diversas propostas de solução para a questão. Augusto César Leite de Carvalho, por exemplo, traz uma saída proposta por Carlos Moreira de Luca: o professor sergipano diz que este autor defende que seja aplicado o art. 227 do Regulamento da Justiça do Trabalho (aprovado pelo Decreto nº. 6.569, que regulamentava o Decreto-Lei nº. 1.237/39), que dizia que “não havendo disposição especial em contrário, qualquer reclamação perante a Justiça do Trabalho prescreve em dois anos, contados da data do ato ou do fato que lhe der origem”[14]. Advoga, pois, Moreira de Luca[15]que, como a CLT não teria revogado expressamente tal dispositivo, este ainda vige com relação aos domésticos. Maurício Godinho Delgado[16]afirma, no entanto, que o Regulamento da Justiça do Trabalho foi revogado pela CLT (Decreto-Lei nº. 5.452/43), que reuniu as leis esparsas que tratavam da Justiça do Trabalho e da prescrição.
Há ainda outra posição defendida por parte da doutrina, que se refere ao Código civil de 1916. Seria a de que o prazo a ser aplicado aos empregados domésticos era o contido no art. 178, §10º, V, do antigo Diploma civil, que previa que prescrevia em cinco anos “a ação dos serviçais, operários e jornaleiros, pelo pagamento de seus salários”.Com a revogação do Código Civil de 1916 pelo novo Código Civil, essa posição ficou enfraquecida pois o novo Código não contém dispositivo semelhante. Entretanto, há autores como Sérgio Pinto Martins[17], que defendem que, na falta de um dispositivo semelhante ao contido no Código de Beviláqua no novo Código Civil, aplique-se o prazo geral contido no art. 205 do CC-02, que é de dez anos. O mestre paulista justifica sua posição dizendo que, na falta de uma norma de Direito do Trabalho para ser aplicada nesse caso, a atitude correta seria a de recorrer a outras normas para colmatar essa lacuna, ramo esse que seria o Direito Civil.
Respeitando seu posicionamento, vejamos como decidiu em certa ocasião o TRT da 2ª Região, ao qual o Professor Sérgio Pinto Martins está vinculado e em processo do qual foi relator:
Acórdão: 20050014310 Turma: 02 Data Julg.: 20/01/2005 Data Pub.: 15/02/2005 Processo: 20040702620 Relator: SÉRGIO PINTO MARTINS Prescrição. Doméstico. O prazo de prescrição para o doméstico não está previsto no artigo 11 da CLT, pois esta não se lhe aplica (art. 7. º da CLT) parágrafo único do artigo 7.º da Constituição não faz remição ao inciso XXIX do mesmo artigo. Logo, o prazo prescricional do doméstico é previsto no Código Civil.
Mas então vejamos. Será que recorrer ao Direito civil seria a melhor alternativa para resolvermos esse problema? Será que assim procedendo estaríamos respeitando o disposto no art. 8º da CLT (norma geral inclusiva do ordenamento trabalhista), que determina que preferencialmente se recorra às normas e princípios do direito do trabalho para completar as lacunas? Valentin Carrion[18] critica tal posicionamento, pois, segundo ele, “recorrer-se aos prazos prescricionais do Código civil apresenta-se como ranço analógico, depois de que todos os institutos trabalhistas de lá foram retirados há muito, permanecendo apenas as palavras vazias, mortas, como a locação de serviços, ou ações de serviçais e jornaleiros(o autor refere-se portanto ao Código Civil de 1916)”. O mestre propõe, então, uma alternativa: defende que seja aplicado o prazo contido no Título I da CLT, que é para ele, como uma introdução ao Código Trabalhista Brasileiro (é assim que o autor trata a CLT na sua exposição), com os conceitos básicos aplicáveis a todas as relações de emprego (conceito de emprego, solidariedade, tempo etc.).
No particular, data venia, não concordamos com tal posicionamento. A Consolidação veda de maneira expressa que seus dispositivos sejam aplicados aos empregados domésticos no seu artigo 7º, alínea “a”, como já tivemos oportunidade de nos referir linhas acima.
Diante desses diversos posicionamentos, a jurisprudência e a doutrina trabalhistas ainda defendem uma outra posição, que cada vez mais encontra guarida no cotidiano justrabalhista: a de que o prazo aplicável aos empregados domésticos seria o prazo geral contido no inc. XXIX do art. 7º da Carta Magna (cinco anos, até o limite de dois anos após a extinção do contrato).
Expliquemos melhor, então, esta última vertente, a qual desde já nos filiamos.
O artigo 8º da CLT determina que “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
A Consolidação traz, então, uma típica norma geral inclusiva para o ordenamento trabalhista, para ser aplicada especificamente no ordenamento laboral.
Determina que o intérprete se valha da analogia, da eqüidade, de princípios gerais do direito e normas gerais, principalmente do direito do trabalho para decidir um caso concreto.
Sabemos, e Valentin Carrion nos relembrou linhas acima, que o Direito civil, tronco maior do qual se desmembrou o direito do trabalho num dado momento histórico, não traz mais normas que regulem as relações de emprego. Tais relações ficam hoje a cargo de um ramo do direito especializado, ramo este que reconhece as diferenças existentes entre os diversos atores sociais, no caso particular, entre o empregador e o empregado, e que, por isso, tutela os interesses do lado mais fraco, o do empregado.
Diante disso, vemos claramente que usar o Direito Civil não é mais o caminho mais indicado para regular as relações de emprego.
Mas então, a que ramo do direito recorreremos?
A Constituição de 1988 é famosa no mundo por ser uma Carta que elenca diversos direitos sociais. É uma Carta Magna que trata de maneira exaustiva de direitos e garantias individuais. É, como classifica Paulo Bonavides, uma Constituição do Estado social.
No seu artigo 7º, trata, a Carta da República, dos chamados Direitos Sociais. Disciplina o salário mínimo, assegurando-o a todos os trabalhadores, garante o adicional de hora extraordinária, o adicional por insalubridade e periculosidade, entre muitos outros direitos.
Pois bem. E dentre os trinta e quatro incisos do artigo 7º, um em especial é objeto de nossa análise: o inciso XXIX. É exatamente o que trata da prescrição, trazendo o prazo geral prescricional aplicável a todos os trabalhadores urbanos e rurais, que é de cinco anos mais dois anos após a extinção do contrato.
Não se trata exatamente de um direito trabalhista, é um direito de ação que todos possuem quando seu direito é violado. Ou ainda, não se trata de um direito, mas, sim, de um mecanismo de extinção de um direito, no caso, o direito aos créditos resultantes de uma relação de emprego.
Por isso, por não se tratar de um direito, é que o legislador constituinte não o colocou, em nosso sentir, dentre os incisos aplicáveis aos domésticos, elencados no parágrafo único do art. 7º da Carta Política. Este é o posicionamento, por exemplo, de Mauricio Godinho Delgado[19], in verbis:
“De um lado, a omissão do inciso XXIX no parágrafo único do art. 7º constitucional não tem o conteúdo normativo sugerido por certas correntes minoritárias, dado que o referido parágrafo único arrola direitos, ao passo que a prescrição é critério de supressão de tais direitos (grifos no original)”.
Como o tema central de nosso trabalho consiste em determinar se a omissão do legislador sobre o prazo aplicável aos domésticos consistiria ou não uma lacuna no ordenamento jurídico, passemos então para a nossa resposta a nossa indagação inicial. Em nosso sentir, não há uma lacuna no ordenamento brasileiro, ou melhor, havia, não existe mais, em face do prazo geral hoje contido na Constituição Federal, art. 7º, XXIX acima referido.
Poderíamos nos perguntar se este seria a melhor solução para o problema, haja vista que pelo princípio da proteção ao empregado, a melhor solução para o caso seria adotar a posição de que os créditos trabalhistas dos empregados domésticos seriam imprescritíveis.
Não é este nosso entendimento, porém.
Diante de tal impasse, preferimos dar uma primazia ao princípio da segurança jurídica, faz-se mister que as relações jurídicas atinjam em um dado momento a estabilidade. Assim como em todos os outros casos de relações empregatícias, as relações de emprego doméstico, em nosso sentir, devem possuir necessariamente um prazo prescricional. Vejamos.
Os empregadores que admitem empregados domésticos são pessoas comuns na grande maioria das vezes. Não são empresas que possuem um aparato de contabilidade para que se faça necessário o armazenamento de um sem número de documentos e recibos, que poderiam ser utilizados como prova em uma demanda judicial.
E mais. Mesmo que se armazenasse, a nós parece ilógico que se tenha em uma casa ou até mesmo em um estabelecimento comercia ou industrial registros de períodos longínquos, na esperança de que um dia possam ser úteis para uma possível defesa em uma reclamação trabalhista.
No nosso pensamento, o Direito não pode ser tão conivente com quem convive durante anos a fio com uma violação em um direito subjetivo seu e não promova ação alguma para obtê-lo na justiça. Como nos pronunciamos linhas acima, Dormientibus non succurrit jus, ou seja, o direito não socorrem os que dormem.
Após este pequeno parêntesis voltemos para a explicação do motivo pelo qual nos filiamos à parcela da doutrina que considera que o prazo aplicável aos domésticos é aquele contido no inciso XXIX do art. 7º da Carta Magna.
Nos posicionamos com parte significativa da doutrina trabalhista, apoiado no magistério de nomes de escol como Augusto César Leite de Carvalho[20], Arnaldo Süssekind[21], Maurício Godinho Delgado[22] e Alice Monteiro de Barros, que também entendem que o prazo geral do texto constitucional é o aplicável aos domésticos em face do silêncio da legislação específica.
A jurisprudência[23] também assim vem reiteradamente decidindo, como podemos perceber com os arestos, in verbis:
EMPREGADO DOMÉSTICO - PRESCRIÇÃO. A prescrição aplicável aosempregados domésticos é prevista no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição da República, que deve ser aplicado por analogia, pois o supracitado dispositivo abrange todos os empregados, rurais ou urbanos. Recurso de Revista conhecido e provido para extinguir o processo com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, inciso IV, do CPC.(TST DECISÃO: 22 11 2000 PROC: RR NUM: 374972 ANO: 1997 REGIÃO: 12 RECURSO DE REVISTA TURMA: 05 Relator: MINISTRO JOÃO BATISTA BRITO PEREIRA ÓRGÃO JULGADOR - QUINTA TURMA DJ - 07/12/2000)
EMPREGADO DOMESTICO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. APOS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE OITENTA E OITO, O PRAZO PRESCRICIONA DO DIREITO DE AÇÃO DOS EMPREGADOS DOMESTICOS, PARA PLEITEAR CREDITOS TRABALHISTAS, PASSOU A SER DE CINCO ANOS, ATE A EXTINÇÃO DO CONTRATO, POIS APLICA-SE AOS MESMOS A REGRA GERAL DO ARTIGO SETIMO, INCISO VINTE E NOVE, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REVISTA NÃO PROVIDA.( TST ACÓRDÃO NUM: 9190 DECISÃO: 24 09 1997 PROC: RR NUM: 245006 ANO: 1996 Relator: MINISTRO MILTON DE MOURA FRANÇA REGIÃO: 04 UF: RS RECURSO DE REVISTA ORGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA)
DOMÉSTICO - PRESCRIÇÃO - O parágrafo único do artigo 7º. da Carta Política cuida da equiparação aos domésticos de alguns dos direitos sociais assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais, sendo certo que o inciso XXIX do artigo em comento se aplica à categoria dos empregados domésticos por não se tratar de direito social, mas sim de questão de ordem prescricional, matéria esta inerente à segurança das relações jurídicas, que visa a paz social.(TRIBUNAL: 2ª Região

ACÓRDÃO NUM: 20000636430 Relatora: ODETTE SILVEIRA MORAES DECISÃO: 28 11 2000 TIPO: RO01 NUM: 19990463169 ANO: 1999 NÚMERO ÚNICO PROC:RO01- RECURSO ORDINÁRIO; Fonte: DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 12/12/2000)
EMPREGADOS DOMÉSTICOS - PRAZO PRESCRICIONAL: APLICAÇÃO DA REGRA GERAL TRABALHISTA - A regra geral prescritiva trabalhista, lançada na Carta Máxima, dispõe prevalecer, neste segmento especializado do Direito, "prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho" (artigo 7o., XXIX, CF/88). Tal regra geral, de matriz constitucional, espraia-se a todas as searas do Direito do Trabalho, inclusive a doméstica, não havendo, pois, lacuna normativa, quanto a tal aspecto, na ordem jurídica, sendo descabida, pois, qualquer tentativa analógica no presente caso.(TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 10 05 2004 TIPO: RO NUM: 01613 Relator: Juiz Maurício José Godinho Delgado ANO: 2003 NÚMERO ÚNICO PROC: RO -01613-2003-073-03-00-9 TURMA: Primeira Turma. Fonte: DJMG DATA: 14-05-2004 PG: 06)
Podemos perceber então, que a práxis trabalhista claramente se inclina para admitir e adotar como posição dominante a regra geral contida no inciso XXIX do art. 7º da Carta Magna de 1988.

Mesmo que admitíssemos, ainda, que haveria uma lacuna no ordenamento jurídico trabalhista, poderíamos recorrer ainda às lições de Norberto Bobbio referidas linhas acima, e utilizar da norma geral inclusiva do ordenamento trabalhista (nos referimos ao art. 8º da CLT), que manda que recorramos a fontes mais próximas do direito do trabalho. E como a Constituição de 1988 se insere no ordenamento justrabalhista como uma norma de supremacia, já que, como sabemos diversos institutos hoje são interpretados conforme dita o Texto Magno, como por exemplo, o adicional de hora extraordinária, a Carta Política se revela como a fonte de direito do trabalho por excelência e, assim sendo, o prazo contido no art. 7º, inc. XXIX, figura claramente como o mais correto a ser aplicado.

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