Segue um breve esboço das posições que a doutrina e jurisprudência vêm adotando sobre a prescrição do doméstico:
Sabemos
nós que a CLT não inclui os empregados domésticos no campo de aplicação de suas
normas, como determina no seu art. 7º, “a”.
A
Consolidação deixa para uma norma específica a regulação da matéria. A Lei em
questão é a Lei nº. 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Diante disso, deparamo-nos
com a seguinte situação: a CLT não se aplica ao doméstico; então suas normas
sobre a prescrição não poderiam ser aplicadas a essa categoria de trabalhadores.
A lei que regulamenta a matéria deveria, então, trazer dispositivo que
determinasse o prazo a ser aplicado para a prescrição dos créditos trabalhistas
dos empregados domésticos. Mas não é isso o que ocorre. A Lei 5.859/72 não traz
nenhum artigo regulando a matéria.
Vimos
acima que a Constituição Federal traz um inciso no seu artigo 7º, o inciso XXIX, que trata da prescrição trabalhista,
revogando tacitamente o art. 11 da CLT. O mesmo art. 7º da Carta Magna traz os
incisos que se aplicam aos empregados domésticos e exclui o inciso XXIX, que
trata da prescrição. Diante desse cenário, qual o prazo a ser aplicado?
A
doutrina e a jurisprudência trabalhista trazem diversas propostas de solução
para a questão. Augusto César Leite de Carvalho, por exemplo, traz uma saída
proposta por Carlos Moreira de Luca: o professor sergipano diz que este autor
defende que seja aplicado o art.
227 do Regulamento da Justiça do Trabalho (aprovado pelo Decreto nº. 6.569, que
regulamentava o Decreto-Lei nº. 1.237/39), que dizia que “não havendo disposição
especial em contrário, qualquer reclamação perante a Justiça do Trabalho
prescreve em dois anos, contados da data do ato ou do fato que lhe der origem”[14]. Advoga, pois, Moreira de Luca[15]que, como a CLT não teria revogado expressamente tal
dispositivo, este ainda vige com relação aos domésticos. Maurício Godinho Delgado[16]afirma, no entanto, que o Regulamento da Justiça do
Trabalho foi revogado pela CLT (Decreto-Lei nº. 5.452/43), que reuniu as
leis esparsas que tratavam da Justiça do Trabalho e da prescrição.
Há ainda outra posição defendida por
parte da doutrina, que se refere ao Código civil de 1916. Seria a de que o prazo
a ser aplicado aos empregados domésticos era o contido no art. 178, §10º, V, do
antigo Diploma civil, que previa que prescrevia em cinco anos “a ação dos serviçais, operários e
jornaleiros, pelo pagamento de seus salários”.Com a revogação do
Código Civil de 1916 pelo novo Código Civil, essa posição ficou enfraquecida
pois o novo Código não contém dispositivo semelhante. Entretanto, há autores como Sérgio Pinto Martins[17], que defendem que, na falta de um dispositivo semelhante
ao contido no Código de Beviláqua no novo Código Civil, aplique-se o prazo geral
contido no art. 205 do CC-02, que é de dez anos. O mestre paulista
justifica sua posição dizendo que, na falta de uma norma de Direito do Trabalho
para ser aplicada nesse caso, a atitude correta seria a de recorrer a outras
normas para colmatar essa lacuna, ramo esse que seria o Direito Civil.
Respeitando
seu posicionamento, vejamos como decidiu em certa ocasião o TRT da 2ª Região, ao
qual o Professor Sérgio Pinto Martins está vinculado e em processo do qual foi
relator:
Acórdão:
20050014310 Turma: 02 Data Julg.: 20/01/2005 Data Pub.: 15/02/2005 Processo:
20040702620 Relator: SÉRGIO PINTO
MARTINS
Prescrição. Doméstico. O prazo de prescrição para o doméstico não está previsto
no artigo 11 da CLT, pois esta não se lhe aplica (art. 7. º da CLT) parágrafo
único do artigo 7.º da Constituição não faz remição ao inciso XXIX do mesmo
artigo. Logo, o prazo prescricional do doméstico é previsto no Código
Civil.
Mas
então vejamos. Será que recorrer ao Direito civil seria a melhor alternativa
para resolvermos esse problema? Será que assim procedendo estaríamos respeitando
o disposto no art. 8º da CLT (norma geral inclusiva do ordenamento trabalhista),
que determina que preferencialmente se recorra às normas e princípios do direito
do trabalho para completar as lacunas? Valentin Carrion[18] critica tal
posicionamento, pois, segundo ele, “recorrer-se aos prazos prescricionais do
Código civil apresenta-se como ranço analógico, depois de que todos os
institutos trabalhistas de lá foram retirados há muito, permanecendo apenas as
palavras vazias, mortas, como a locação de serviços, ou ações de serviçais e
jornaleiros(o autor refere-se portanto ao Código Civil de 1916)”.
O mestre propõe, então, uma
alternativa: defende que seja aplicado o prazo contido no Título I da CLT, que é
para ele, como uma introdução ao Código Trabalhista Brasileiro (é assim que o
autor trata a CLT na sua exposição), com os conceitos básicos aplicáveis a todas
as relações de emprego (conceito de emprego, solidariedade, tempo
etc.).
No
particular, data venia, não concordamos com tal posicionamento.
A Consolidação veda de maneira expressa que seus dispositivos sejam aplicados
aos empregados domésticos no seu artigo 7º, alínea “a”, como já tivemos
oportunidade de nos referir linhas acima.
Diante
desses diversos posicionamentos, a jurisprudência e a doutrina trabalhistas
ainda defendem uma outra posição, que cada vez mais encontra guarida no
cotidiano justrabalhista: a de que o prazo aplicável aos empregados domésticos
seria o prazo geral contido no inc. XXIX do art. 7º da Carta Magna (cinco anos,
até o limite de dois anos após a extinção do contrato).
Expliquemos
melhor, então, esta última vertente, a qual desde já nos filiamos.
O
artigo 8º da CLT determina que “As
autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições
legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por
analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito,
principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e
costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de
classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”.
A
Consolidação traz, então, uma típica norma geral inclusiva para o ordenamento
trabalhista, para ser aplicada especificamente no ordenamento laboral.
Determina
que o intérprete se valha da analogia, da eqüidade, de princípios gerais do
direito e normas gerais, principalmente do direito do trabalho para decidir um
caso concreto.
Sabemos,
e Valentin Carrion nos relembrou linhas acima, que o Direito civil, tronco maior
do qual se desmembrou o direito do trabalho num dado momento histórico, não traz
mais normas que regulem as relações de emprego. Tais relações ficam hoje a cargo
de um ramo do direito especializado, ramo este que reconhece as diferenças
existentes entre os diversos atores sociais, no caso particular, entre o
empregador e o empregado, e que, por isso, tutela os interesses do lado mais
fraco, o do empregado.
Diante
disso, vemos claramente que usar o Direito Civil não é mais o caminho mais
indicado para regular as relações de emprego.
Mas
então, a que ramo do direito recorreremos?
A
Constituição de 1988 é famosa no mundo por ser uma Carta que elenca diversos
direitos sociais. É uma Carta Magna que trata de maneira exaustiva de direitos e
garantias individuais. É, como classifica Paulo Bonavides, uma Constituição do
Estado social.
No
seu artigo 7º, trata, a Carta da República, dos chamados Direitos Sociais.
Disciplina o salário mínimo, assegurando-o a todos os trabalhadores, garante o
adicional de hora extraordinária, o adicional por insalubridade e
periculosidade, entre muitos outros direitos.
Pois
bem. E dentre os trinta e quatro incisos do artigo 7º, um em especial é objeto
de nossa análise: o inciso XXIX. É exatamente o que trata da prescrição,
trazendo o prazo geral prescricional aplicável a todos os trabalhadores urbanos
e rurais, que é de cinco anos mais dois anos após a extinção do contrato.
Não se trata exatamente de um direito
trabalhista, é um direito de ação que todos possuem quando seu direito é
violado. Ou ainda, não se trata de um direito, mas, sim, de um mecanismo de
extinção de um direito, no caso, o direito aos créditos resultantes de uma
relação de emprego.
Por isso, por não se tratar de um
direito, é que o legislador constituinte não o colocou, em nosso sentir, dentre
os incisos aplicáveis aos domésticos, elencados no parágrafo único do art. 7º da
Carta Política. Este é o posicionamento, por exemplo, de Mauricio Godinho
Delgado[19], in
verbis:
“De um lado, a omissão do inciso XXIX
no parágrafo único do art. 7º constitucional não tem o conteúdo normativo
sugerido por certas correntes minoritárias, dado que o referido parágrafo único
arrola direitos, ao passo que a prescrição é critério de supressão de tais
direitos (grifos no
original)”.
Como
o tema central de nosso trabalho consiste em determinar se a omissão do
legislador sobre o prazo aplicável aos domésticos consistiria ou não uma lacuna
no ordenamento jurídico, passemos então para a nossa resposta a nossa indagação
inicial. Em nosso sentir, não há uma lacuna no ordenamento brasileiro, ou
melhor, havia, não existe mais, em face do prazo geral hoje contido na
Constituição Federal, art. 7º, XXIX acima referido.
Poderíamos nos perguntar se este seria
a melhor solução para o problema, haja vista que pelo princípio da proteção ao
empregado, a melhor solução para o caso seria adotar a posição de que os
créditos trabalhistas dos empregados domésticos seriam
imprescritíveis.
Não
é este nosso entendimento, porém.
Diante
de tal impasse, preferimos dar uma primazia ao princípio da segurança jurídica,
faz-se mister que as relações jurídicas atinjam em um dado momento a
estabilidade. Assim como em todos os outros casos de relações empregatícias, as
relações de emprego doméstico, em nosso sentir, devem possuir necessariamente um
prazo prescricional. Vejamos.
Os
empregadores que admitem empregados domésticos são pessoas comuns na grande
maioria das vezes. Não são empresas que possuem um aparato de contabilidade para
que se faça necessário o armazenamento de um sem número de documentos e recibos,
que poderiam ser utilizados como prova em uma demanda judicial.
E
mais. Mesmo que se armazenasse, a nós parece ilógico que se tenha em uma casa ou
até mesmo em um estabelecimento comercia ou industrial registros de períodos
longínquos, na esperança de que um dia possam ser úteis para uma possível defesa
em uma reclamação trabalhista.
No
nosso pensamento, o Direito não pode ser tão conivente com quem convive durante
anos a fio com uma violação em um direito subjetivo seu e não promova ação
alguma para obtê-lo na justiça. Como nos pronunciamos linhas acima, Dormientibus non succurrit jus, ou seja, o direito não socorrem os que
dormem.
Após
este pequeno parêntesis voltemos para a explicação do motivo pelo qual nos
filiamos à parcela da doutrina que considera que o prazo aplicável aos
domésticos é aquele contido no inciso XXIX do art. 7º da Carta Magna.
Nos posicionamos com parte
significativa da doutrina trabalhista, apoiado no magistério de nomes de escol
como Augusto César Leite de Carvalho[20], Arnaldo Süssekind[21], Maurício Godinho Delgado[22] e Alice
Monteiro de Barros, que também entendem que o prazo geral do texto
constitucional é o aplicável aos domésticos em face do silêncio da legislação
específica.
A
jurisprudência[23] também assim
vem reiteradamente decidindo, como podemos perceber com os arestos, in verbis:
EMPREGADO DOMÉSTICO - PRESCRIÇÃO. A prescrição aplicável aosempregados
domésticos é prevista no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição da República, que
deve ser aplicado por analogia, pois o supracitado dispositivo abrange todos
os empregados, rurais ou urbanos.
Recurso de Revista conhecido e provido para extinguir o processo com julgamento
do mérito, nos termos do art. 269, inciso IV, do CPC.(TST DECISÃO: 22 11 2000
PROC: RR NUM: 374972 ANO: 1997 REGIÃO: 12 RECURSO DE REVISTA TURMA: 05
Relator: MINISTRO JOÃO BATISTA BRITO PEREIRA ÓRGÃO JULGADOR - QUINTA TURMA DJ
- 07/12/2000)
EMPREGADO
DOMESTICO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. APOS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE OITENTA E OITO, O
PRAZO PRESCRICIONA DO DIREITO DE AÇÃO DOS EMPREGADOS DOMESTICOS, PARA PLEITEAR
CREDITOS TRABALHISTAS, PASSOU A SER DE CINCO ANOS, ATE A EXTINÇÃO DO CONTRATO,
POIS APLICA-SE AOS MESMOS A REGRA GERAL DO ARTIGO SETIMO, INCISO VINTE E NOVE,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REVISTA NÃO PROVIDA.( TST ACÓRDÃO NUM: 9190
DECISÃO: 24 09 1997 PROC: RR NUM: 245006 ANO: 1996 Relator: MINISTRO MILTON
DE MOURA FRANÇA REGIÃO: 04 UF: RS RECURSO DE REVISTA ORGÃO JULGADOR - QUARTA
TURMA)
DOMÉSTICO
- PRESCRIÇÃO - O parágrafo único do artigo 7º. da Carta Política cuida da
equiparação aos domésticos de alguns dos direitos sociais assegurados aos
trabalhadores urbanos e rurais, sendo certo que o inciso XXIX do artigo em
comento se aplica à categoria dos empregados domésticos por não se tratar de
direito social, mas sim de questão de ordem prescricional, matéria esta inerente
à segurança das relações jurídicas, que visa a paz social.(TRIBUNAL: 2ª Região
ACÓRDÃO NUM: 20000636430 Relatora: ODETTE SILVEIRA MORAES DECISÃO: 28 11 2000 TIPO: RO01 NUM: 19990463169 ANO: 1999 NÚMERO ÚNICO PROC:RO01- RECURSO ORDINÁRIO; Fonte: DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 12/12/2000)
ACÓRDÃO NUM: 20000636430 Relatora: ODETTE SILVEIRA MORAES DECISÃO: 28 11 2000 TIPO: RO01 NUM: 19990463169 ANO: 1999 NÚMERO ÚNICO PROC:RO01- RECURSO ORDINÁRIO; Fonte: DOE SP, PJ, TRT 2ª Data: 12/12/2000)
EMPREGADOS
DOMÉSTICOS - PRAZO PRESCRICIONAL: APLICAÇÃO DA REGRA GERAL TRABALHISTA - A regra
geral prescritiva trabalhista, lançada na Carta Máxima, dispõe prevalecer, neste
segmento especializado do Direito, "prazo prescricional de cinco anos para os
trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do
contrato de trabalho" (artigo 7o., XXIX, CF/88). Tal regra geral, de matriz
constitucional, espraia-se a todas as searas do Direito do Trabalho, inclusive a
doméstica, não havendo, pois, lacuna normativa, quanto a tal aspecto, na ordem
jurídica, sendo descabida, pois, qualquer tentativa analógica no presente
caso.(TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 10 05 2004 TIPO: RO NUM: 01613 Relator:
Juiz Maurício José Godinho Delgado ANO: 2003 NÚMERO ÚNICO PROC: RO -01613-2003-073-03-00-9 TURMA: Primeira Turma. Fonte: DJMG DATA:
14-05-2004 PG: 06)
Podemos
perceber então, que a práxis trabalhista claramente se inclina para
admitir e adotar como posição dominante a regra geral contida no inciso XXIX do
art. 7º da Carta Magna de 1988.
Mesmo
que admitíssemos, ainda, que haveria uma lacuna no ordenamento jurídico
trabalhista, poderíamos recorrer ainda às lições de Norberto Bobbio referidas
linhas acima, e utilizar da norma geral inclusiva do ordenamento trabalhista
(nos referimos ao art. 8º da CLT), que manda que recorramos a fontes mais
próximas do direito do trabalho. E como a Constituição de 1988 se insere no
ordenamento justrabalhista como uma norma de supremacia, já que, como sabemos
diversos institutos hoje são interpretados conforme dita o Texto Magno, como por
exemplo, o adicional de hora extraordinária, a Carta Política se revela como a
fonte de direito do trabalho por excelência e, assim sendo, o prazo contido no
art. 7º, inc. XXIX, figura claramente como o mais correto a ser aplicado.
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