Decisão 032692/2011-PATR do Processo 0000448-12.2010.5.15.0088 RO publicado em 03/06/2011.
LUÍS CARLOS CÂNDIDO MARTINS SOTERO DA SILVA
DESEMBARGADOR RELATOR
Curial que é dever do Estado, assim como da sociedade em geral, especialmente de entidades beneficentes, prestar assistência às pessoas carentes, incumbindo-lhes sempre, seja através de seus próprios órgãos, seja através de estruturas paraestatais, assegurar o bem-estar comum (art. 204, I, CF).
Nesse passo, não só é lícito e desejável que a Administração Pública firme convênios com outras entidades, públicas ou privadas, para a consecução de seus objetivos, mas também que conceda subvenções sociais a instituições idôneas que prestem serviços na área de assistência social, nos termos dos arts. 16 e 17 da Lei 4.320/64:
“Art. 16. Fundamentalmente e nos limites das possibilidades financeiras a concessão de subvenções sociais visará a prestação de serviços essenciais de assistência social, médica e educacional, sempre que a suplementação de recursos de origem privada aplicados a esses objetivos, revelar-se mais econômica.
Parágrafo único. O valor das subvenções, sempre que possível, será calculado com base em unidades de serviços efetivamente prestados ou postos à disposição dos interessados obedecidos os padrões mínimos de eficiência previamente fixados.
Art. 17. Somente à instituição cujas condições de funcionamento forem julgadas satisfatórias pelos órgãos oficiais de fiscalização serão concedidas subvenções”.
Na moderna doutrina de Direito Administrativo há nítida distinção entre contrato e convênio, conforme se depreende das lições de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (in Parcerias na Administração Pública, São Paulo: Atlas, 1.999, 3ª ed. p. 177 e 183), nos seguintes termos:
“(...) o principal elemento que se costuma apontar para distinguir o contrato e o convênio é o concernente aos interesses que, no contrato, são opostos e contraditórios, enquanto no convênio são recíprocos. É o ensinamento de Hely Lopes Meirelles (1996:358), quando define os convênios administrativos como ‘acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes’. (...) Aliás o convênio não é abrangido pelas normas do art. 2º da Lei nº 8.666; no ‘caput’ é exigida licitação para as obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações, quando contratadas com terceiros; e no parágrafo único define-se contrato por forma que não alcança os convênios e outros ajustes similares, já que nestes não existe a ‘estipulação de obrigações recíprocas’ a que se refere o dispositivo.”
Quando existe o convênio entre entidades públicas e entidades particulares, como é o caso em questão, não se trata de delegação de serviço público ao particular, mas trata-se de fomento, como uma forma de incentivar a iniciativa privada de interesses públicos.
Entretanto, restou incontroverso que a reclamante, in casu, foi contratada pela primeira reclamada para o exercício da função de "agente comunitário de saúde", em virtude do termo de parceria firmado com o Município.
Como é cediço, a Emenda Constitucional nº 51/2006 acrescentou os parágrafos 4º e 5º ao artigo 198 da Constituição Federal, dispondo que:
"Art. 198.
§ 4º. Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.
§ 5º. Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial".
Também o art. 2º da Emenda nº 51 esclareceu que “Após a promulgação da presente Emenda Constitucional, os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias somente poderão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios na forma do § 4º do art. 198 da Constituição Federal, observado o limite de gasto estabelecido na Lei Complementar de que trata o art. 169 da Constituição Federal”
Regulamentando o § 5º do art. 198 da CF, a Lei nº 11.350/2006 assim dispôs:
"Art. 2o O exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional”. (g.n.)
Da análise dos referidos dispositivos, insta consignar que a Emenda Constitucional sob análise, bem como a Lei nº 11.350/2006, que a regulamentou, determinaram a impossibilidade de contratação indireta dos agentes comunitários de saúde, que devem manter vínculo apenas com a Administração, por meio de processo seletivo público.
Nesse trilhar, in casu, à margem de toda a discussão acerca da constituição de vínculo direto com o Município em juízo, até porque não foi este o pedido formulado na inicial, tem-se que a condenação subsidiária se impõe.
Com efeito, em vista da violação pelo ente público dos preceitos constitucionais acima consignados, e sendo incontroverso que a primeira reclamada prestava serviços em prol da municipalidade, segunda reclamada, deve a última responder por culpa “in vigilando” e “in eligendo”, sendo responsabilizada subsidiariamente, nos moldes da Súmula 331 do C. TST, in verbis.
SUM-331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).
Desta feita, a regularidade do contrato de parceria, que implicaria a não-responsabilização da Administração Pública, no entendimento deste Relator, restou afastada no caso concreto, pela ilicitude específica relacionada ao procedimento de contratação de agentes comunitários de saúde, constitucionalmente determinado.
Nesse sentido, recentes julgados proferidos pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho:
CONVÊNIO FIRMADO ENTRE MUNICÍPIO E ASSOCIAÇÃO DE DIREITO PRIVADO. PROGRAMAS NA ÁREA DE SAÚDE. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.
Após o advento da Emenda Constitucional 51, de 14 de fevereiro de 2006, os agentes comunitários de saúde deverão ser contratados diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, tendo como requisitos para a convalidação da contratação o processo seletivo público e o respeito ao limite de gasto estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal. A referida Emenda Constitucional reforça a tese de que a saúde é dever do Estado e que, portanto, existe responsabilidade do Município quanto à prestação de serviços dos Agentes Comunitários de Saúde. Tem-se, ainda, que, nos termos do art. 30, VII, da Constituição Federal, compete ao Município a prestação de serviços de atendimento à saúde da população, não havendo, portanto, como eximi-lo da responsabilidade pela prestação de serviços que são essenciais à saúde de sua população. Logo, ainda que a contratação tenha ocorrido antes da EC 51/06, mediante Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, o Município, nesse caso, responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas devidas pela prestadora de serviços, independentemente da licitude da terceirização, conforme entendimento já consagrado na Súmula 331, IV, do TST. Precedente de Turma do TST. Recurso de Revista conhecido e não provido. (TST, 2ª T, RR - 63100-17.2007.5.08.0007, Red. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DEJT 04/12/2009)
RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO. CONVÊNIO FIRMADO ENTRE MUNICÍPIO E ASSOCIAÇÃO DE DIREITO PRIVADO. PROGRAMAS NA ÁREA DE SAÚDE. EXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. APLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 331 DO TST.
Muito embora seja a formalização de convênios entre o poder público e a iniciativa privada para o desenvolvimento de programas na área de saúde expressamente autorizados pela legislação pátria, através do convênio firmado pelo Município de Belém com a Comissão de Bairros de Belém - CBB, não poderia o Estado esquivar-se de sua obrigação legal e outorgá-la a terceiro. Na verdade, a CBB cumpriu com uma obrigação que era do Município, recebendo subvenções. É evidente que a situação em tudo se assemelha à de um tomador de serviços, tornando aplicável ao presente caso a Súmula nº 331 do TST. Recurso de revista conhecido e não provido. (TST, 2ª T, RR - 33800-07.2007.5.08.0008, Red. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 22/05/2009)
Dessa feita, por qualquer ângulo que se analise a questão, não há como se prover o apelo, razão pela qual mantenho a r. sentença, por seus próprios fundamentos decisórios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário