domingo, 27 de março de 2011

Ativismo judicial e a separação dos poderes

TESE – CONAMAT 2010.

PROCESSO DO TRABALHO. ATIVISMO JUDICIAL. O JUIZ DO TRABALHO PODE DETERMINAR MEDIDAS QUE IMPLIQUEM OBRIGAÇÕES PARA AS PARTES E TERCEIROS PARA ASSEGURAR A EFETIVIDADE DAS SENTENÇAS JUDICIAIS E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, AINDA QUE NÃO ESTEJAM EXPRESSAMENTE REQUERIDAS.
  
AUTOR E DEFENSOR DA TESE: MARCUS AURELIO LOPES. Juiz do trabalho titular da 5ª Vara do Trabalho de Maringá. Mestre em direito civil pela Universidade Estadual de Maringá. Professor de direito do trabalho e direito processual do trabalho.

TEMA I: ATIVISMO JUDICIAL E A SEPARAÇÃO DOS PODERES.

RESUMO: 1. CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL; 2. ATIVISMO INDIVIDUAL, SOCIAL E POLÍTICO; 3. ATIVISMO JUDICIAL; 4. LEGITIMAÇÃO POLÍTICA DO ATIVISMO JUDICIAL; 5. MANIFESTAÇÕES CONCRETAS DO ATIVISMO JUDICIAL; 6. CONCLUSÃO.

EMENTA: PROCESSO DO TRABALHO. ATIVISMO JUDICIAL. O JUIZ DO TRABALHO PODE DETERMINAR MEDIDAS QUE IMPLIQUEM OBRIGAÇÕES PARA AS PARTES E TERCEIROS PARA ASSEGURAR A EFETIVIDADE DAS SENTENÇAS JUDICIAIS E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, AINDA QUE NÃO ESTEJAM EXPRESSAMENTE REQUERIDAS.

FUNDAMENTAÇÃO:

1. CONCEITO DE ATIVISMO JUDICIAL.
O ativismo judicial é a aplicação de métodos tendentes a prever e solucionar problemas jurídicos. O juiz pode impor práticas e condutas, independentemente de provocação expressa por parte dos indivíduos, entidades ou corporações, na perspectiva de que a sua  atuação direta e discricionária provoca a realização concreta da sentença judicial e determina modificações na sociedade e nas relações políticas.
A inclusão do critério de eficiência entre os princípios da administração pública (art. 37 da CF) trouxe a necessidade de maior produtividade no setor público, sendo que o serviço judiciário não é exceção. A proatividade judicial também se revela na exigência constitucional de razoável duração do processo.[1]

2. ATIVISMO INDIVIDUAL, SOCIAL, POLÍTICO.
A organização proativa estabelece parâmetros de desempenho, propõe processos de atuação, avalia os resultados, reestrutura as condutas e redefine os objetivos, identifica necessidades, propõe soluções, implementa práticas positivas, avalia resultados.
Das organizações privadas, a proatividade transcende para o espaço público por meio do ativismo social e político.
A formação de organizações não-governamentais (ONG) e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP)[2] significa a expressão concreta do ativismo social. Os cidadãos se organizam espontaneamente para ocupar áreas sociais não atendidas adequadamente pelo poder público institucional.
A proatividade consiste em prática destinada a prover meios eficazes para se atingir um determinado objetivo.

3. ATUAÇÃO POLÍTICA DO JUIZ E ATIVISMO JUDICIAL.
Ativismo judicial designa a atividade positiva do juiz para criar, modificar ou extinguir determinada situação de fato, visando impedir lesão a direitos fundamentais individuais ou coletivos.
Também pode ser denominado de protagonismo judicial ou proatividade judicial, expressões que pretendem designar uma atividade direta do Juiz, mais intensa e contundente que a declaração de existência ou inexistência do direito debatido em processo judicial.
A qualidade proativa se caracteriza pela produção do serviço judicial mais ágil e organizada, bem como no conteúdo e alcance das sentenças, que é mais amplo quanto aos destinatários e mais abrangente quanto ao conteúdo. A eficiência consiste em critério variável, decorrente da relação entre resultados previstos, resultados obtidos e o tempo necessário para alcançá-los.
O magistrado deve estar comprometido com a presteza e eficácia das medidas jurisdicionais, zelando para que o processo seja instrumento de realização do direito.
A seleção de atos processuais a serem praticados deve ser criteriosa e não simplesmente mecânica. O juiz deve se envolver com a causa, participando da construção dos elementos de convicção, notadamente por meio de inspeções judiciais ou da realização de prova técnica específica, adotando iniciativa nos meios de prova.

4. LEGITIMAÇÃO POLÍTICA DO ATIVISMO JUDICIAL.
Enquanto a eficiência judicial depende do grau de proatividade do magistrado, a legalidade depende do formalismo para manutenção de um estado de coisas imutável segundo o pressuposto da Lei.
O rigor formal e limitado da legalidade e a maleabilidade subjetiva da eficiência são valores que não conseguem coexistir na medida em que a eficiência pode comprometer a legalidade quando o resultado almejado não está previsto anteriormente na Lei e a legalidade pode deter a eficiência, quando expressamente determina conduta que não permite o resultado ou dificulta seu atingimento.
A eficiência dentro da Lei não representa a eficiência diante da realidade social e nesse espaço atua o protagonismo judicial, integrando a norma legal de maneira a que se faça a perfeita adequação entre a necessidade social de uma ordem objetiva e concreta para pacificar o conflito e o comando ideal da Lei, que não prevê solução para causa determinada.
O poder político da sentença transcende a composição da lide interpartes e determina a adequação das condutas públicas e individuais aos fundamentos da Nação, aplicando a Lei e estabelecendo as ações para a consecução dos objetivos constitucionais.
A Constituição estabelece direitos que são exercidos independentemente de Lei infraconstitucional e por isso merecem atenção direta do poder judiciário, principalmente quando se referem a direitos e garantias individuais.
É o que ocorre com o direito à intimidade, à privacidade e com os fundamentos da república, como a dignidade humana, a função social do trabalho, da propriedade, da iniciativa privada e do contrato.
O magistrado tem o dever de solver questões que envolvem valores sociais, nessa tarefa há nítida função política, bem como espaço para ativismo judicial de caráter eminentemente normativo.

5. MANIFESTAÇÕES CONCRETAS DO ATIVISMO JUDICIAL.
A Constituição estabelece a possibilidade da injunção para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais na falta de Lei regulamentadora (art. 5o, LXXI da CF). Ao magistrado é atribuído o poder normativo, na medida em que pode criar a regra para direitos, garantias e prerrogativas constitucionais violados ou não atendidos adequadamente.
A sentença judicial passa a ser instrumento de realização do direito, não apenas de seu reconhecimento e declaração.
O controle da constitucionalidade dos atos judiciais, administrativos e particulares por meio da ação judicial é mais visível quando praticado pelos tribunais superiores e, em especial, pelo STF, notadamente em ações de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade. A interpretação das normas e dos fatos a partir da ótica constitucional e, sobretudo, a criação de normas concretas que tornem efetiva a decisão judicial, mostra-se como a mais evidente expressão do ativismo judicial.
A judicialização da vida privada e da política pública é reflexo imediato da “era dos direitos” – declarada por BOBBIO em vários escritos. A era do exercício dos direitos se caracteriza pelo fortalecimento da função jurisdicional e a eficácia material da sentença.
No plano do processo ordinário, o ativismo judicial é exercido a partir dos instrumentos processuais existentes independentemente de dicção expressa e literal do preceito legal.
Na condução do procedimento, quanto à iniciativa e natureza das provas, o juiz do trabalho deve agir voltado a conseguir a efetividade da sentença, assim na fase de conhecimento como nas medidas tendentes à satisfação dos direitos reconhecidos na fase de cumprimento e execução do julgado.
Para esse propósito, há de se ampliar as possibilidades de produção probatória oficial (inspeções e perícias) e também se atribuir conteúdo material à livre apreciação da prova (art. 131 da CPC), de modo que se interprete a prova conforme o melhor efeito prático para a decisão que resolver a lide.
A interpretação revisada dos poderes do juiz do trabalho na condução do processo resulta na ampliação da legitimidade ativa e passiva para estar em juízo e também a prevalência do impulso oficial para adotar providências que não figurem no rol de pretensões diretas ou indiretas das partes processuais, com ênfase em casos de direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos.
Por essa via, é possível determinar providências que afetam sujeitos indeterminados e cujo conteúdo não foi objeto de pretensão específica, mas deflui da atuação judicial.[3]
O juiz do trabalho pode estender os efeitos de sua decisão a quem não é parte no processo, de modo a assegurar a efetividade da sentença, assim como determinar condutas que não foram expressamente requeridas, com idêntico propósito de realizar a garantia constitucional.
A lide judicial deve ser entendida como a necessidade de um provimento positivo para reparar, impedir e prevenir o dano de maneira ampla, não só o verificado entre as partes do processo, mas aquele que se reflete na sociedade, como consequência da repetição de condutas lesivas a interesses coletivos e metaindividuais.[4]
A sentença judicial é o ato que põe fim o processo resolvendo o mérito da lide (art. 269 do CPC com redação da Lei 11.232/2005), na redação anterior à Lei 11.232, a sentença julgava o mérito da lide e assim havia maior ênfase à declaração do direito, emitindo um pronunciamento valorativo.
Para ser eficaz, a sentença determina condutas concretas que resolvam a lide. Essas condutas devem ser de natureza prática, devem ser perceptíveis aos sentidos físicos e não mais emanação ideal como propósito a ser atingido por meio de outra iniciativa processual (processo de execução de sentença). A própria sentença é a ordem a ser obedecida de fato, ensejando a pena de multa no caso de descumprimento injustificado (art. 475-J do CPC).[5]
O art. 84 do CDC[6] autoriza o ativismo judicial, ao conferir amplos poderes de direção e gestão do processo, desatrelando o provimento sentencial dos limites do pedido e da lide, possibilitando que se adotem providências que não foram pedidas e, por vezes, não desejadas, desde que o escopo finalístico da norma jurídica seja atingido.
O Juiz do Trabalho tem o dever de praticar os atos necessários ao esclarecimento e a rápida solução do litígio.[7]
A interseção dos sistemas legais do direito do consumidor, da tutela coletiva das minorias e grupos menos favorecidos e do direito do trabalhador é ditada pela origem comum do fenômeno social, baseado no exercício pleno dos direitos da cidadania consagradas nos arts. 5o a 10o da CF.
O ativismo judicial possibilita também a inação judicial, na perspectiva do juiz determinar quais questões serão resolvidas e quais não o serão, sendo que estas devem ser solucionadas pela própria sociedade através das instâncias políticas organizadas.
O magistrado é juiz da causa e da questão que deve ser objeto de ação ativista, sendo que pode também deixar de agir nas questões em que considere inapropriada a interferência estatal. A proatividade implica a relativização do princípio da inafastabilidade da jurisdição.
O fato da greve, por exemplo, é campo propício para o ativismo judicial e para a identificação de questões sociais de caráter judicial e político. Nesse caso, o juiz age no vazio da Lei, determinando condutas que não são previstas ou autorizadas em Lei anterior, mas que se destinam a dar efetividade concreta ao direito de greve, na perspectiva da preservação do direito de propriedade do empregado e dos interesses de terceiros.
6. Conclusão.
O ativismo judicial representa o exercício da soberania nacional pelo magistrado, cujo fundamento está na necessidade de adequação das condutas individuais à realidade social e é legitimado pelos princípios constitucionais da eficiência e da razoável duração do processo. O ativismo judicial atua por meio do mandado injunção e de decisões em ações coletivas, que exigem atuação criativa do magistrado. A greve é um dos fatos da vida suscetíveis ao ativismo judicial.
A proatividade do juiz, expressão concreta do ativismo judicial é essencial à completa concretização dos direitos e garantias fundamentais, representando manifestação legítima da atuação política da magistratura.

Referências bibliográficas:
BARROSO, Luis Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da class action norte-americana. Revista de Processo, São Paulo: RT, 2005, v. 130.
RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri. PERTINÊNCIA TEMÁTICA NAS AÇÕES COLETIVAS. In Juris Síntese nº 76 - MAR/ABR de 2009
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O DANO SOCIAL E SUA REPARAÇÃO. In Juris Síntese nº 69 - JAN/FEV de 2008.



[1] CF, art. 5o, LXXVIII.
[2] Lei 9790/1999
[3]A coercitividade do direito é reconhecida por Jorge Luiz Souto Maior, quando fala sobre o direito social: “O Direito Social, portanto, não apenas se apresenta como um regulador das relações sociais; ele busca promover, em concreto, o bem-estar social, valendo-se do caráter obrigacional do direito e da força coercitiva do Estado. Para o Direito Social a regulação não se dá apenas na perspectiva dos efeitos dos atos praticados, mas também, e principalmente, no sentido de impor, obrigatoriamente, a realização de certos atos”. In O DANO SOCIAL E SUA REPARAÇÃO (Publicada no Juris Síntese nº 69 - JAN/FEV de 2008).
[4] Citando Mauro Capelleti, Souto Maior afirma que devem ser ampliados os sujeitos legitimados para agir na perspectiva coletiva, incluindo entidades privadas. Além disso, é essencial a “extensão dos poderes do juiz”, que não deve mais limitar-se “a determinar o ressarcimento do ‘dano sofrido’ pela parte agente, nem, em geral, a decidir questões com eficácia limitada às partes presentes em juízo. Ao contrário, o juiz é legitimado a estender o âmbito da própria decisão, de modo a compreender a totalidade do dano produzido pelo réu, e, em geral, a decidir eficazmente mesmo às absent parties ou precisamente erga omnes. É a revolução dos conceitos tradicionais de responsabilidade civil e de ressarcimento dos danos, como também daqueles de coisa julgada e do princípio do contraditório”.
[5] O conceito de sentença muda substancialmente com a redação atual dos artigos 162, 267 e 269 do CPC. O ato culminante do processo não é mais a proclamação do direito da parte, como afirmava a Lei processual anterior quando estabelecia que sentença era ato que põe fim ao processo decidindo ou não a lide. Agora, a sentença é o ato que adota uma das providencias dos artigos 267 e 269 do CPC. Em tais dispositivos, na redação anterior, o processo era extinto com ou sem julgamento de mérito. Na redação vigente, a extinção se dá pela resolução do mérito. A terminologia não foi alterada ao acaso, mas indica a mudança de modelo, passando de um sistema em que a sentença mais declara o direito que o torna concreto, para sistema em que a sentença realiza a ordem legal e o faz por meio do ativismo judicial. Tanto é assim, que a sentença ganha a estatura de instrumento prático para efetivar os comandos que ela contempla, dispensando a ação de execução de sentença e sendo suficiente para a continuação do processo até seu verdadeiro cumprimento, sob pena da multa de 10% sobre o valor da quantia condenada ou ainda até a satisfação integral da obrigação de fazer ou não-fazer que determina. Embora a sentença continue a ser o ato final do processo, ganha maior complexidade porque não se exaure no pronunciamento redigido e assinado pelo juiz, mas só estará perfeita e acabada quando houver entregue o bem da vida que reconheceu devido ao seu verdadeiro titular.
[6] Lei 8078/90, art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
[7] CLT, art. 765: Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

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