Como citar este artigo:  LEAL, Bruno Bianco. Da boa-fé objetiva e suas figuras  argumentativas. Disponível em http://www.sosconcurseiros.com.br.
Inicialmente é preciso deixar claro que o nosso Ordenamento Jurídico  trabalha com duas espécies de boa-fé, uma de natureza subjetiva, que diz  respeito a dados internos, psicológicos, elementos diretamente ligados ao  sujeito (por exemplo, a ignorância da real situação jurídica), outra  dita OBJETIVA, externa, relativa a um comportamento, um dever de  conduta. A primeira pode ser dita “boa-fé estado”, a segunda “boa-fé  princípio”.
Neste  breve ensaio tratarei apenas da boa-fé objetiva, eis que nosso principal  objetivo é delinear todas as suas figuraras, pois começaram a ser cobradas em  provas de concurso.
Para  um melhor entendimento da boa-fé objetiva é importante reavivar na memória que  esta consiste em cláusula geral, motivo pelo qual remeto a leitura ao texto  pertinente ao tema de sorte a maximizar o  aprendizado.
A  boa-fé objetiva, segundo pesquisa por mim realizada, apresentaria, pelo menos,  onze figuras argumentativas, ou seja, tipos de argumentos recorrentes que geram  sua aplicação prática. São elas:
I.     venire contra factum  proprium;
II.    tu quoque;
III.   exceptio doli, desdobrada  em:
IV.   exceptio doli  generalis, e
V.    exceptio doli  specialis;
VI.   inalegabilidade das nulidades  formais;
VII.  desequilíbrio no exercício  jurídico;
VIII. supressio e  surrectio;
IX.   Cláusula de Estoppel, e
X.       Duty to mitigate  the loss
XI.      Adimplemento  substancial ou “substantial performance”
Antes  de analisarmos uma a uma, devemos aclarar que na aplicação dessas figuras, não é  necessário que se façam presentes todos os requisitos que as ensejam, desde que  a situação casuística assim determine. Ademais, podemos verificar, ainda, mais  de uma figura no mesmo caso, situação na qual o juiz as moldará conforme o seu  livre convencimento (motivado). Por fim, também temos que lembrar que todas  estas figuras argumentativas nascem da redação do art. 422 do Código Civil de  2002.
I.  O venire contra factum proprium consiste na proibição  de comportamentos contraditórios; verifica-se em situações nas quais uma pessoa,  durante determinado período de tempo, se comporta de tal maneira que gera  expectativas justificadas para outras pessoas que dependem deste seu  comportamento, e em determinado momento, simplesmente, atua em sentido contrário  à expectativa gerada pelo seu comportamento. Ressalta-se, que também é requisito  para a configuração do venire o investimento da parte contrária na  situação gerada pela expectativa ou comportamento anterior.  Vale lembrar que  esta figura não se confunde com o aforismo turpitudinem suam allegans non  auditor, segundo o qual, ninguém pode alegar a própria torpeza. Enquanto o  primeiro, como visto, tutela a confiança e as justas expectativas, o segundo  objetiva reprimir a malicia e a má-fé.
Um  exemplo emblemático foi o caso da empresa CICA que, por diversos anos comprava  os tomates utilizados em seus produtos, de determinados agricultores, os quais  dedicavam toda a sua produção para aquela empresa (tomates destinados,  exclusivamente para fazer molhos). Em determinado ano, a empresa forneceu as  sementes, incentivou o cultivo, mas quando da colheita não comprou os tomates.  Como resultado, fora proibida judicialmente de realizar aquela conduta  contraditória ao seu comportamento anterior.
II.  O tu quoque, que em língua  portuguesa significa “e tu também”, em alusão à frase de Júlio César dita a  Brutus, consiste numa contradição segundo a qual, um dos sujeitos da relação  obrigacional exige um comportamento em circunstâncias tais que ele mesmo deixou  de cumprir. Tal figura visa evitar que um dos contraentes se beneficie da  própria torpeza, beneficiando-se da norma que violou; visa-se a vedação de  comportamentos que se pautam em dois pesos e duas  medidas.
O tu quoque distingue-se do venire, pois não visa  tutelar a continuidade de um comportamento, mas apenas a sua manutenção para  preservar o equilíbrio contratual, o caráter sinalagmático das  trocas.
Tal  figura pode aparecer nos concursos com outras denominações,  como turpitudinem suam allegans non auditur, ou ainda, equity must  come with clean hands, ou ainda, princípio do  sinalagma.
III.  A exceptio doli generalis consiste numa figura  argumentativa da boa-fé que visa obstar o exercício de pretensões dolosas  dirigidas contra a outra parte contratante. A outra parte, agindo com dolo,  obteve uma posição jurídica ilegal, abusiva, a qual não poderá ser exercida, sob  pena de ofensa à boa-fé objetiva.
IV. Já  a exceptio doli specialis consiste em espécie  da exceptio doli generalis, voltada, exclusivamente a atos de caráter  negocial e a atos dele decorrentes, quando verificada a presença do dolo. Assim,  quando o direito obtido pela atuação dolosa consistir num negócio jurídico,  estaremos diante da especial, caso contrário se falará na  geral.
V.  A inalegabilidade das nulidades formais consiste em situações  nas quais a parte a quem a nulidade aproveita, está proibida de alegá-la, pelo  fato de ter dado causa a ela, e se tratar de nulidade formal (que não diz  respeito à substância do ato).
VI.  O desequilíbrio no exercício jurídico se caracteriza pela  significativa desproporção entre o exercício e o direito que legitima referida  atuação; o conteúdo do direito não corresponde ao exercício implementado (este é  excessivo). Consiste, basicamente, em uma aplicação parcial da cláusula geral do  art. 187 do Código Civil de 2002 (abuso de direito).
VII/VIII. A suppressio tem o conteúdo de perda  de um direito não exercido durante um lapso temporal considerável, que, por  conta da inação, perde sua eficácia. A razão desta supressão é a confiança em um  dado comportamento de não exercer o direito; tal confiança é tamanha, que gera  expectativa para a parte contrária, não mais podendo ser exercido. A tutela da  confiança gera, em contrapartida, um direito à outra parte, versante sobre a  impossibilidade do exercício daquele direito. Esse novo direito, essa nova  posição jurídica insurgente da inação do outro contraente, leva o nome  de surrectio. O exemplo legal destas figuras  pode ser visto no art. 330 do Código Civil de 2002.
IX.  A Cláusula de Estoppel, de origem anglo-saxônica, grosso modo,  consiste na mesma proibição de comportamento contraditório  do venire, mas aplicada a tratados  internacionais.
X.  O Duty to mitigate the loss consiste no dever  de agir de sorte a diminuir o seu próprio prejuízo. Sobre essa tese foi aprovado  o Enunciado nº 169 na mesma III Jornada de Direito Civil: “princípio  da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio  prejuízo”. Esta redação foi inspirada no art. 77 da Convenção de Viena de  1980, sobre venda internacional de mercadorias, que ostenta a seguinte  redação: “A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas  razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela  compreendido o prejuízo  resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais  medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção  igual ao montante da perda que poderia ter sido  diminuída”.
Exemplificando a aplicação desta figura, lembremos do caso do fazendeiro  que, vendo o fogo se alastrar pela fazenda do vizinho, prestes a invadir sua  propriedade, mesmo podendo evitar que isso acontecesse, nada faz, visando  ulterior indenização. Tal conduta não se afina com o princípio da boa-fé  objetiva, eis que ele teria o direito de evitar, ao máximo, seus prejuízos. O  exemplo legal desta figura pode ser visto nos arts. 769 e 771, ambos do Código  Civil de 2002.
XII.     O adimplemento  substancial ou “substantial performance”  que  teve origem na Inglaterra  (século XVIII), ocorre quando a obrigação do devedor,  ainda que não cumprida completamente, for tão próxima do que esperava o credor,  satisfazendo-o, de modo que se tornariam injustos os efeitos de uma eventual  resolução. Nas palavras de Covis do Couto e Silva, seria “um adimplemento tão próximo do resultado  final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de  resolução, permitindo tão somente o pedido de indenização.” (Silva, A Obrigação  como processo).
Há quem sustente que o  direito brasileiro autoriza tal argumentação, conforme se verifica da  interpretação conjugada do art. 475 do Código Civil -  que dispõe sobre o  direito de resolução em caso de inadimplemento, sem, no entanto, citar o modo de  descumprimento que autoriza tal direito -  com o parágrafo único do artigo 395,  também do Código Civil, segundo o qual, em caso de inutilidade da prestação para  o credor, este poderá resolver o contrato, com o direito de indenização por  perdas e danos.
Diz-se, pois, que quando a  prestação ainda tiver utilidade para o credor, mesmo não tendo sido cumprida  como avençado, a resolução revelaria excessivamente abusiva, afrontando a boa-fé  objetiva.
 
 
Obrigada ! Objetivo, resumido e completo. Parabéns !
ResponderExcluirexcelente
ResponderExcluirObrigada.
ResponderExcluirobrigada !
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