terça-feira, 13 de agosto de 2013

'Ajenidad', 'alienità', alienidade, alteridade, alheabilidade

'Ajenidad' ou alienidade: é a aquisição originária da força de trabalho por conta alheia. O vínculo empregatício se dá diretamente com o tomador de serviços. Não se confunde com alteridade, pois esta se relaciona com os riscos daquele que empreende um negócio (CLT, art. 2º).

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3 SUBORDINAÇÃO E “ALIENIDADE”

A subordinação é, como se viu no tópico anterior, na tradição clássica do Direito do Trabalho brasileiro, o elemento de caracterização da condição de prestador de trabalho tutelado pela CLT, muito embora a doutrina tenha também conferido esse estatuto à alteridade, mesmo porque a subordinação está dicionarizada como ato ou efeito e não como condição. Ou seja, a subordinação é conseqüência e não a causa da relação de emprego. E enquanto conseqüência não é um conceito apto, sem incidir em petição de princípio, a se apresentar como elemento de definição de um dado instituto.

A doutrina espanhola foca principalmente a condição e não o efeito (subordinação). O clássico Alonso Olea, por exemplo, transfere a centralidade identificadora no Direito do Trabalho para o conceito de “ajenidad”: [...] la relación de ajenidad, como definidora y esencia misma del contrato de trabajo, éste es un modo originário de adquirir propiedad por un ajeno distinto de quien trabaja.

O termo “ajenidad” - ou, o italiano, “alienità” - não é de fácil tradução para a língua portuguesa, pelo menos no Brasil, já que o vocábulo “alteridade”, pelo qual costuma ser traduzido, não se equipara aos termos espanhol e italiano. Não obstante seja a alteridade definida semanticamente como natureza ou condição (do que é do outro), não nos parece seja um vocábulo adequado ao Direito do Trabalho, pois está mais ligado à tradição filosófica do idealismo hegeliano - que lança mão do termo alteridade para definir a relação entre natureza e a idéia - que à tradição do materialismo marxiano, que tem raízes muito mais próximas ao nosso ramo social do Direito.

Essa maior proximidade a Marx se verifica inclusive pela própria palavra alienação. Para Hegel, alienação, concebida em sentido jurídico, de submissão e subordinação, somente se operava com o estatuto da escravidão, ao passo que para Marx o simples fato de se trabalhar para o outro - por conta alheia - já configurava a alienação (e a subordinação) e o trabalho alienado.

O efeito subordinação do Direito do Trabalho está, portanto, mais próximo da alienação marxiana que da alteridade e alienação hegelianas. É importante esclarecer que, seguindo ainda Olea, o conceito de alienação em Marx converte o vocábulo alemão Veräusserung em Entfremdung - ou em seu sinônimo - Entäusserung, refundindo a alienação que deriva da subordinação do trabalho com a condição de alheamento - estranhamento - desse trabalho.

Olea, em sua monografia sobre a história da palavra “alienação”, anota que utiliza el término “ajenidad”, que es el generalizado entre nuestros especialistas; por éstos se ha acuñado este término en derecho del trabajo, rehuyendo el clásico jurídico de enajenación, y con buenas razones, porque enajenación implica en derecho una translación de dominio o titularidad de una persona a otra, y por consiguiente una adquisición derivativa por parte de esta última, mientras que en el contrato de trabajo hay una adquisición originaria de propiedad por el empleador o empresario respecto de bienes de nueva creación, que no han sido antes propiedad de nadie; es claro, pues que ajenidad - o alienidad, como la llama Guasp (Derecho, Madrid, 1971, p. 548) - sigue siendo usada aún como noción distinta de enajenación, en sentido jurídico estricto y propio. Nesse sentido de distinguir da alienação do Direito Real, talvez, em português, pudesse se pensar em “alheação” ou “alheamento”, mas semanticamente esses substantivos são dicionarizados também como ato ou efeito e não como condição ou natureza, o que nos remeteria novamente ao mesmo problema de tautologia da subordinação.

Outra alternativa seria o termo alheabilidade. Mas esse vocábulo designa mais uma qualidade que uma causa, isto é, é mais um atributo que a causa eficiente de um dado fenômeno jurídico. Para Espinosa, em sua Ética, é a causa que implica a existência; o atributo é o que se percebe como constitutivo da essência, em outras palavras, o atributo alheabilidade é constitutivo da essência da relação de emprego, mas não sua causa. O que implica sua existência - ou seja a existência desse atributo essencial - é a condição econômica de alheamento do fruto do próprio trabalho. A alheabilidade da relação de emprego tem como modo ou afecção, no sentido espinosiano, o alheamento do fruto do trabalho, mas é a condição dessa alheabilidade a causa eficiente da existência da relação de emprego. Não há entre alienidade e alheabilidade uma relação de causa e efeito, senão de causalidade e essencialidade ou atribuição.

Pontes de Miranda, em sua proverbial acuidade, optou pelo termo “alienidade”, que, aliás, é o mesmo utilizado por Ricardo Guasp, como se viu na referência anterior de Olea. Vale ressaltar, contudo, que tal termo não consta do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa - VOLP, nem essa palavra encontra-se dicionarizada, sem embargo de que seja um termo relativamente comum nas doutrinas empresarial e trabalhista de Portugal.

Da mesma forma que onerosidade e remuneração se distinguem, a primeira enquanto elemento de configuração (existência) e causa da relação de emprego e a outra como contraprestação ou efeito da referida relação jurídica, alienidade (do produto do trabalho) e subordinação têm, entre si, a mesma ordem de relação. O fato de um trabalhador laborar e não receber remuneração não descaracteriza, por si só, a existência da relação de emprego (como se dá, por exemplo, nos casos de redução do trabalhador à condição análoga à de escravo). É a onerosidade do trabalho que implica, em algum grau, a existência do contrato de trabalho subordinado, ou melhor, toda relação jurídica contém algum ônus econômico, mas o contrato de emprego pressupõe o pagamento de salário. Sua onerosidade é presumida e pecuniariamente tarifada, pois a todo contrato de emprego se destina, ao menos, o salário mínimo ao prestador de trabalho. A ausência de pagamento constitui infração ao contrato e, no caso do Brasil, à lei federal.

Por outro lado, entre alienação e subordinação há, contudo, uma relação de causalidade, em que a primeira condiciona a segunda, ainda que a alienação, ela própria, seja também um ato ou efeito da condição do trabalho alheado. A alienação do produto do trabalho, ou seja, a secção entre os sujeitos da produção imediata (trabalhador) e da apropriação primária da mercadoria (patrão) é, pois, o ato que constitui a existência, inclusive jurídica, da relação de emprego, ato esse cuja causa é justamente a natureza da alienidade das condições de trabalho comum no capitalismo. O empregador é o demandador de trabalho, mas a impossibilidade de apartá-lo da pessoa humana conduz à relação jurídica em que o trabalhador cede o uso da sua energia vital e da sua atividade social.

É importante lembrar que, não obstante seja a alienidade um traço do trabalho produtivo apenas - já que só se pode falar em trabalho produtivo se há produção de excedente para ser alheado (ou apropriado por outrem) - nada impede que a lei estenda ao trabalho improdutivo (ou de consumo) os efeitos jurídicos da relação de emprego, ou seja, equipare legalmente os trabalhadores produtivos e improdutivos do ponto de vista econômico, como, aliás, verifica-se no precitado § 1º do artigo 2º da CLT.

A hermenêutica do § 1º do artigo 2º, conjugada à alínea “a” do artigo 7º da CLT, serve inclusive para demonstrar que o trabalho produtivo é, em essência, a categoria de trabalho que, nos primórdios, justifica a existência do Direito do Trabalho, porquanto por meio de seu jogo de extensão ou equiparação (art. 2º, § 1º) e exceção (art. 7º, “a”) desnuda-se o fato de que uma vez transcendida sua causa eficiente - alienidade - torna-se necessário um preceito dogmático para restringir uma extensão procedida pela lei, sem sistematicidade científica. Em outras palavras, não é por outro motivo que o artigo 7º celetista tenha de excepcionar expressamente os empregados domésticos, ou seja, a entidade familiar (outras instituições sem fins lucrativos) está compreendida perfeitamente na hipótese do empregador por equiparação ou extensão do § 1º do artigo 2º da CLT.

É importante assinalar que a doutrina espanhola tem três correntes a respeito da ajenidad. A primeira e mais tradicional é a de Olea, em que a alienidade é encarada a partir da alienação dos frutos do trabalho (ajenidad en los frutos). Uma segunda, na qual a alienidade é aferida em função da não-assunção dos riscos da atividade econômica, defendida por Bayón Chacón e Perez Botija (ajenidad en los riscos) e uma terceira, da alienidade em razão da desvinculação da pessoa do trabalhador da utilidade patrimonial do trabalho (ajenidad en la utilidad patrimonial), apresentada por Montoya Melgar.

Consagrar, neste momento da reorganização produtiva, a centralidade do conceito de alienidade no Direito do Trabalho é fundamental para desenvolver uma exegese sistemática e estável - conceitos muito caros ao sistema capitalista, inclusive - da relação de emprego. A idéia mais tradicional de subordinação, descolada dessa perspectiva de alheamento, muitas vezes torna a subordinação, ela própria - ainda que aparentemente, apenas - suscetível a desvirtuamentos conceituais, principalmente em face da crescente concepção do trabalhador (supostamente) autônomo, mas econômica e habitualmente dependente de uma mesma rede produtiva."

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SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL-RETICULAR: UMA PERSPECTIVA SOBRE A SEGURANÇA JURÍDICA
Marcus Menezes Barberino Mendes*
José Eduardo de Resende Chaves Júnior**

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