Conceito de indisponibilidade de direitos - Efeitos jurídicos.
1 - A arbitragem é, por excelência, o meio de solução de
conflitos humanos, precedendo no tempo ao próprio Poder Judiciário. 2 - A
solução de conflitos por um terceiro isento, escolhido pelas partes, sempre foi
o caminho histórico de pacificação de litígios, porque, gozando da confiança dos
que lhe pedem justiça, concilia a rigidez da norma com a flexibilização natural
da eqüidade. 3 - Somente na fase imperial de Roma é que se adotou a
solução exclusivamente estatal de controvérsias. Antes, no período das legis
actiones e no período per formulam, a atuação do Pretor limitava-se a dar a
ação, compor o litígio e fixar o thema decidendum. A partir daí, entregava o
julgamento a um árbitro, que podia ser qualquer cidadão romano. 4 - Essa
situação predominou durante a Idade Média, em que não havia Tribunais
exclusivamente patrocinados pelo Estado, pois, pertencendo o cidadão a reinos e
condados, comandados por nobres e senhores feudais, a justiça era feita de comum
acordo, por Tribunais comunitários, de natureza mais compositiva do que
decisória. 5 - Somente a partir do século XVIII, com a criação do Estado
Constitucional, é que houve o monopólio pelo Estado da prestação jurisdicional.
Essa nova postura, entretanto, nunca exclui o julgamento fora do Estado, por
terceiros escolhidos pelas partes, pois não é nem nunca foi possível ao Estado
decidir sozinho as controvérsias humanas, principalmente na sociedade moderna,
em que se multiplicam os conflitos e acirram-se as divergências, não só dos
cidadãos entre si, mas deles contra o Estado e do Estado contra seus
jurisdicionados. 6 - O próprio Estado brasileiro, por meio da Lei nº
9.307/2006, deu um passo decisivo nesse aspecto, salientando, em seu art. 1º,
que "as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". Dessa forma,
conciliou-se o monopólio da jurisdição, naquilo que o Estado considera fundante
e inalienável para constituir a ordem pública e o interesse social com direitos
em que predominam os interesses individuais ou coletivos, centrados em pessoas
ou grupos. 7 - Os conflitos trabalhistas não se excluem do âmbito
genérico do art. 1º da Lei nº 9.307/2006 porque seus autores são pessoas capazes
de contratar e detêm a titularidade de direitos patrimoniais disponíveis.
8 - A indisponibilidade de direitos trabalhistas é conceito válido e
internacionalmente reconhecido porque se trata de núcleos mínimos de proteção
jurídica, com que o trabalhador é dotado para compensar a desigualdade econômica
gerada por sua posição histórica na sociedade capitalista. Desses conteúdos
mínimos, não têm as partes disponibilidade porque afetaria a busca do equilíbrio
ideal que o legislador sempre tentou estabelecer entre o empregado e o
empregador. 9 - Porém, indisponibilidade não se confunde com transação,
quando há dúvida sobre os efeitos patrimoniais de direitos trabalhistas em
situações concretas. Indisponibilidade não se há de confundir com efeitos ou
conseqüências patrimoniais. Nesse caso, a negociação é plenamente possível e seu
impedimento, pela lei ou pela doutrina, reduziria o empregado à incapacidade
jurídica, o que é inadmissível, porque tutela e proteção não se confundem com
privação da capacidade negocial como atributo jurídico elementar de todo
cidadão. 10 - A arbitragem, tradicionalmente prevista no Direito
Coletivo, pode e deve também estender-se ao Direito Individual, porque nele a
patrimonialidade e a disponibilidade de seus efeitos são indiscutíveis e são o
que mais se trata nas Varas trabalhistas, importando na solução, por esse meio,
50% dos conflitos em âmbito nacional. Basta que se cerque de cuidados e se
mantenha isenta, de vícios a declaração do empregado pela opção da arbitragem,
que poderá ser manifestada, por exemplo, com a assistência de seu sindicato,
pelo Ministério Público do Trabalho ou por cláusula e condições constantes de
negociação coletiva. 11 - Em vez da proibição, a proteção deve
circunscrever-se à garantia da vontade independente e livre do empregado para
resolver seus conflitos. Se opta soberanamente pela solução arbitral, por meio
de árbitro livremente escolhido, não se há de impedir essa escolha,
principalmente quando se sabe que a solução judicial pode demorar anos, quando o
processo percorre todas as instâncias, submetendo o crédito do emprego a
evidentes desgastes, pois são notórias as insuficiências corretivas dos
mecanismos legais. 12 - A arbitragem em conflitos individuais já é
prevista na Lei de Greve - Lei nº 7.783/1989, art. 7º; na Lei de Participação
nos Lucros - Lei nº 10.102/2000; e na Convenção sobre o Reconhecimento e a
Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, ratificada pelo Decreto nº
4.311/2002. Trata-se, portanto, de instituição já inserida no Direito
brasileiro, que não pode mais ser renegada pela doutrina ou pela jurisprudência,
sob pena de atraso e desconhecimento dos caminhos por onde se distende hoje o
moderno Direito do Trabalho. 13 - Já é tempo de confiar na independência
e na maturidade do trabalhador brasileiro, mesmo nos mais humildes,
principalmente quando sua vontade tem o reforço da atividade sindical, da
negociação coletiva, do Ministério Público, que inclusive pode ser árbitro nos
dissídios de competência da Justiça do Trabalho, art. 83, inciso X, da Lei
Complementar nº 75/1993. 14 - A relutância em admitir a arbitragem em
conflitos individuais de trabalho é uma prevenção injustificada que merece
urgente revisão. Não se pode impedir que o empregado, por meio de manifestação
de vontade isenta de vício ou coação, opte por meios mais céleres, rápidos e
eficientes de solução do conflito do que a jurisdição do Estado.
(TRT-3ª Região - 4ª T., RO nº 00259.2008. 075.03.00-2-Pouso
Alegre-MG; Rel. Des. Federal do Trabalho Antônio Álvares da Silva; j.
17/12/2008; m.v)
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