Um ex-empregado do estado do Rio Grande do Sul, com 82 anos de idade, portador de câncer de próstata, sem condições financeiras para custear seu tratamento, conseguiu quebrar a ordem cronológica de apresentação de precatórios e vai receber R$ 97.219,65 a que tem direito desde que saiu vitorioso em ação trabalhista movida em 1995. Por decisão inédita do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, o valor deverá ser sequestrado da conta do Estado e depositado na conta do idoso. A exceção à regra dos precatórios, concedida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) e mantida pelo Órgão Especial do TST, baseou-se nos princípios constitucionais da supremacia do direito à vida e da dignidade do ser humano. Segundo a decisão, a demora na liberação do precatório, expedido em 2000, mesmo neste caso, em que o autor tem direito ao benefício da tramitação preferencial do processo, poderia ser prejudicial ao idoso, tendo em vista seu estado de saúde. O processo chegou ao TST por meio de recurso ordinário interposto pelo estado do RS. Em sua argumentação, apontou ofensa ao artigo 100 da Constituição Federal, que trata da ordem de pagamento dos precatórios. Disse que a decisão judicial feria a ordem cronológica de apresentação, até mesmo nas exceções ali previstas, como nos casos dos créditos de natureza alimentícia, que prevalecem em relação aos demais créditos. O relator do acórdão na Corte Superior Trabalhista, ministro Lelio Bentes Corrêa, ao negar provimento ao recurso em que o estado do RS questionava a ordem de sequestro, destacou que a decisão buscou proteger o idoso da excessiva demora na tramitação dos precatórios, “capaz de comprometer o seu direito a uma vida digna”. Segundo o ministro, a Emenda Constitucional 62, de 9/12/2009, que deu nova redação ao artigo 100 da CF, atribuiu caráter absolutamente preferencial aos créditos de natureza alimentar de titularidade de pessoas idosas ou portadoras de moléstias graves, admitindo, inclusive, o sequestro de valores, a requerimento do credor, “nos casos de preterimento de seu direito de precedência ou de não alocação orçamentária do valor necessário à satisfação de seu crédito”. O relator destacou, ainda, que o legislador, ao introduzir a nova ordem constitucional, resguardou o princípio da igualdade de tratamento entre os credores – motivo da existência dos precatórios. Mas, por outro lado, revelou preocupação justificada com os casos de manifesta desigualdade resultante da aplicação indiscriminada da regra geral. São grupos de pessoas em condições vulneráveis que sofrem com maior intensidade com a demora da longa fila de espera para o recebimento dos precatórios. Segundo o ministro Lelio, essa espera pode comprometer, de forma irreversível, “o pleno gozo das garantias constitucionais do direito à vida e à dignidade humana”. Esses princípios fundamentais, disse o relator, não podem ser suplantados pelo princípio da igualdade de tratamento dos credores da Fazenda Pública. Ao fundamentar seu entendimento, o ministro Lelio transcreveu em seu voto recente decisão do ministro Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal, que fala justamente da flexibilidade de aplicação das normas em situações de exceção: “Não é a exceção que se subtrai à norma, mas ela que, suspendendo-se, dá lugar à exceção - apenas desse modo ela se constitui como regra, mantendo-se em relação com a exceção. A esta Corte, sempre que necessário, incumbe decidir regulando também essas situações de exceção. Ao fazê-lo, não se afasta do ordenamento, eis que aplica a norma à exceção desaplicando-a, isto é, retirando-a da exceção”. O Órgão Especial do TST, seguindo voto do relator, decidiu negar provimento ao recurso do Estado do RS, por não entender configurada ofensa à Constituição Federal. História de vida O autor da ação, um senhor de 82 anos, propôs reclamação trabalhista em abril de 1995 contra a Companhia Intermunicipal de Estradas Alimentadoras - Cintea. Segundo a petição inicial, ele foi contratado pelo antigo Instituto Gaúcho de Reforma Agrária em 1970, para exercer a função de “blaster”, e foi demitido, sem justa causa, em março de 1994. “Blaster” é uma profissão antiga, mas pouco conhecida. Também denominados "cabos de fogo" ou "detonadores", esses profissionais são responsáveis por preparar, calcular e instalar dinamites para destruir rochas, geralmente em aberturas de estradas, pedreiras e minas. É uma profissão de altíssimo risco, e somente especialistas do Exército podem habilitar profissionais para exercê-la. Segundo relato na peça inicial da ação, este era exatamente o caso do autor: em contato permanente com explosivos, em condições de risco acentuado, ele era responsável por instalar dinamites nas rochas e dar os tiros necessários para a detonação. Morador do município de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, trabalhava cerca de 12 horas por dia. O crédito trabalhista que gerou os precatórios foi proveniente da decisão favorável relativa aos pedidos de adicional de periculosidade, aviso prévio e horas extras. Entenda os precatórios Precatório é uma ordem judicial para pagamento de débitos dos órgãos públicos federais, estaduais, municipais ou distritais. Esses débitos recaem sobre esses órgãos públicos por terem sido condenados a indenizar o cidadão. O precatório só pode ser iniciado após o trânsito em julgado, ou seja, quando a ação judicial não comporta mais recurso. O pagamento da dívida depende de depósito pela esfera de governo condenada a indenizar o credor. Cada um desses níveis de governos deve fazer constar de seus orçamentos anuais a previsão de pagamento de seus precatórios. O pagamento deve seguir a ordem cronológica de registro (autuação) dos processos. Isso significa que a quitação de cada precatório tem, obrigatoriamente, que seguir a ordem numérica das autuações. A determinação está expressa na Constituição Federal, em seu artigo 100. Apesar dessa exigência, a própria Constituição autorizou, no ano de 2002, o pagamento dos precatórios de pequeno valor, ou seja, aqueles de até 40 salários mínimos (R$ 10,4 mil), no prazo de até 60 dias (Emenda Constitucional nº 37). Em 9 de dezembro de 2009, a Emenda Constitucional 62 abriu uma exceção à regra da ordem de apresentação, dando preferência para pessoas com mais de 60 anos ou com doenças graves. O trabalhador do caso julgado pelo Órgão Especial enquadra-se nas duas situações. Processo: TST-RO-2698-94.2010.5.04.0000 (Cláudia Valente) |
Blog de estudos do Direito do Trabalho aplicados ao Concurso da Magistratura do Trabalho
quinta-feira, 17 de março de 2011
Em decisão inédita, TST manda sequestrar precatório em favor de idoso com câncer
quarta-feira, 16 de março de 2011
A PRISÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A SÚMULA VINCULANTE nº 25 (pelo Juiz do Trabalho Saint-Clair Lima e Silva)
Vêm das mãos do amigo e Juiz do Trabalho do TRT-15, Saint-Clair Lima e Silva, alguns fundamentos para a manutenção da regra de prisão do depositário infiel no Processo do Trabalho, mesmo após a edição da Súmula Vinculante nº 25 do STF. Acompanhem:
"Estabelece a Súmula Vinculante nº 25 do Supremo Tribunal Federal: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”.
A vedação sumular impõe-nos uma nova reflexão sobre os caminhos necessários à eficácia do cumprimento das decisões judiciais, em especial pela aparente colisão com as recentes alterações processuais gestadas ao ensejo do “Pacto do Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano”. Esta foi a inequívoca proposição do histórico julgamento da Excelsa Corte que culminou com a uniformização vinculante, mas da qual resultou a quebra de constitucional e essencial garantia aos credores judiciais.
Não é demais relembrar o origem daquele julgamento, circunspecto a legalidade da ação de depósito em contrato de alienação fiduciária, remanescente legal cruel único que ainda permitia a execução de obrigações sobre o próprio corpo do devedor inadimplente em relação contratual. Nada mais acertado, inclusive com o reconhecimento da supralegalidade do Pacto de San José da Costa Rica, para extirpar de nosso ordenamento infraconstitucional o ranço de uma época de ditadura.
Todavia sua aparente extensão sobre as prisões advindas do descumprimento do depósito judicial (nunca o contratual) sem o devido aprofundamento sobre a origem deste último – ao contrário do que se fez sobre o depósito contratual - acaba por malferir tantas outras garantias constitucionais e fundamentais dos cidadãos, não sendo difícil listá-las.
Mauro Schiavi, in Manual de Direito Processual do Trabalho, 3ª edição, pág 971, LTr, argumentou:
a) o art. 7, item 7 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos proíbe a prisão por dívidas. O depositário tem uma obrigação processual de natureza pública para entrega do bem penhorado que está sob sua guarda. Não se trata, no nosso sentir, de prisão por dívida, mas pelo não cumprimento de um encargo.
b) a prisão do depositário infiel está prevista no artigo 5º, LXVII, da Constituição Federal, que consagra os direitos fundamentais do cidadão. Portanto, trata-se de cláusula prétrea da Constituição Federal, nos termos do art. 60, § 4º, inciso IV, da Constituição Federal.
c) o caráter publicista da jurisdição, a efetividade processual, e a própria dignidade da Justiça justificam a medida extrema de prisão quando o depositário não entrega o bem que está sob sua guarda.
d) os tratados internacionais sobre Direitos humanos ingressam no ordenamento jurídico com status de emenda constitucional, não podendo contrariar as cláusulas pétreas da Constituição Federal.
Além dos valiosos ensinamentos do jurista referendado, não há como deixar de se citar de J.J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina, Coimbra, e suas conclusões sobre o princípio da reserva de constituição. Entende-se por reserva de constituição o conjunto de matérias que devem estar e não podem deixar de estar normativamente contempladas num texto constitucional, e em termos tendenciais, a idéia de reserva de constituição aponta para a existência de certos núcleos de matérias que, de acordo com o espírito do tempo e a consciência jurídica geral da comunidade, devem estar normativamente contempladas na lei proeminente dessa comunidade. Canotilho exemplifica expressamente o catálogo dos direitos, liberdades e do estatuto constitucional dos órgãos do poder político.
A intelecção unívoca é a de que a depender da relevância dos temas estabelecem-se dimensões constitucionais essenciais, fundamentais, que especificam a estrutura geral do governo e do processo político, e impõe-se à própria Constituição de um povo a atribuição de regrar os direitos de liberdade e igualdade básicos de um cidadão.
E constitui elemento básico de garantia de liberdade de um cidadão a regra do inciso LXVII do artigo 5º, não por acaso o artigo de inauguração do título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, que proíbe a prisão civil por dívida, “salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel” (o texto constitucional não contém grifo).
Esta garantia exige comportamento negativo do depositário como forma de preservação do direito alheio, ou seja, impõe a cumpridor de compromisso judicial a postura de não dispor e não degradar o patrimônio reservado para a garantia de obrigação estampada em título judicial. A questão sobreleva-se na execução trabalhista quando contraposta a imprescindibilidade da satisfação do crédito de natureza alimentar com o menor dispêndio processual possível, forma de preservação de direito fundamental do trabalhador. A leitura simplista de ineficácia da exigência de comportamento negativo do depositário encerra severo golpe à garantia constitucional de acesso à justiça, bem delimitada por Dinamarco (Instituições de Direito Processual Civil, vol. 5º, Malheiros Editores – São Paulo – 2005, pp. 134) ao destacar que “seria algo inoperante e muito pobre se se resumisse a assegurar que as pretensões das pessoas cheguem ao processo, sem garantir-lhe também um tratamento adequado. É preciso que as pretensões apresentadas aos juízes cheguem efetivamente ao julgamento de fundo, sem exacerbação de fatores capazes de truncar o prosseguimento do processo”.
Tereza Aparecida Asta Gemignani, in Penhora sobre Salários – o Princípio da Legalidade e a Utilidade da Jurisdição, publicado no vol. 71 de agosto de 2007 da revista LTr, em excelente debate concluiu:
“Erigido como fundamental pela Constituição Federal em vigor, o direito do trabalho, inclusive em sua vertente processual, se encontra cada vez mais permeável ao movimento de constitucionalização, que vem revolucionando a ciência jurídica contemporânea. Como bem ressalta Dinamarco, o `direito processual constitucional exterioriza-se mediante a tutela constitucional do processo´, consistente na observância de um conjunto de princípios e garantias postos pela Constituição, como a isonomia e o devido processo lega, entre outros”.
E brilhantemente arrematou:
“Neste passo, como reconhecer que está sendo observado o devido processo legal se a parte, vencedora numa ação, fica com uma sentença em mãos sem poder executá-la? Onde está o enforcement da jurisdição? Trocando em miúdos, para que serve a jurisdição, se é para terminar assim? Para que serve o estado democrático de direito, se os que devem continuam a dever, e os que têm a receber nunca recebem?
Trata-se de reconhecer que as garantias constitucionais não são belas palavras, agradáveis de ouvir, mas bens da vida, cuja eficácia deve ser devidamente observada”. (grifo no original)
Com efeito, se a norma constitucional impõe garantia ao credor e a alça a importância tal, a ponto de reservar-se a normatizar a conduta negativa do depositário, não há como se entender de modo diverso ou pela simples inoperância de seu contexto. Entre nós, portanto, o depositário infiel deve ser preso e a limitação da Súmula Vinculante lida como aplicável apenas ao depósito contratual ou voluntário.
Assim, permanece hígida a obrigação do depositário e a sanção respectiva pela quebra do munus, pena de desrespeitar por completo as garantias fundamentais do credor. Talvez caiba a cogitação sobre a forma de execução da medida, já que a norma infraconstitucional (art. 652, CC/2002) recebeu derrogação da Corte Máxima Brasileira, todavia por tratar-se de prisão administrativa simples em estabelecimento prisional, desprovida de quaisquer benesses penais, a única condição a ser regulamentada é o seu prazo. E para isto basta a analogia a modelos por descumprimento de ordem judicial ou a eqüidade para o caso, úteis a fixar o prazo da prisão civil por descumprimento a obrigação judicial ao depósito".
* Por Saint-Clair Lima e Silva, juiz do trabalho substituto do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Professor titular da cadeira de Direito do Trabalho da Universidade Padre Anchieta. Professor do curso preparatório para carreiras jurídicas do Complexo Jurídico Damásio de Jesus.
segunda-feira, 14 de março de 2011
LACIER: 8º Seminário: Direitos Fundamentais e Direito do Trabalho: Aspectos Polêmicos e Atuais
8º Seminário: Direitos Fundamentais e Direito do Trabalho: Aspectos Polêmicos e Atuais Cinco painéis com exposição oral de 60 min. para cada palestrante e 15 min. de perguntas abertas ao público. http://www.lacier.com.br/semi.htm Dia 15 de Abril de 2011 (Sexta-feira) Horário: Das 9:00 às 18:00 Investimento: R$ 150,00 até 31/03, após 200,00 (primeiros 50 ingressos, acompanhante free) Garanta já a sua vaga, ingressos à venda na Rua Doutor Quirino, 1152 - Centro - Campinas/SP Local do evento: Auditório Centro Empresarial Conceição, 233 - Centro - Campinas/SP (veja mapa do local) Painéis/Palestrantes: 1.Dimensões dos Direitos Fundamentais: Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e reflexos no Direito do Trabalho. A dignidade da pessoa humana do trabalhador e a livre iniciativa do empregador. JOSÉ CARLOS EVANGELISTA: Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP. Professor Universitário. Autor de diversas obras e artigos jurídicos. 2.O Poder do Empregador e a privacidade do empregado no ambiente de trabalho. A possibilidade de revistas, monitoramento e fiscalização do empregado. JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: Juiz Titular da 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí. Livre Docente em Direito do Trabalho pela USP. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Autor de diversas obras e inúmeros artigos jurídicos. 3.Direitos Fundamentais do Trabalhador na Terceirização Trabalhista. Controle civilizatório da terceirização. Livre iniciativa e proteção à dignidade da pessoa humana do trabalhador. MAURÍCIO GODINHO DELGADO: Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Doutor em Direito Pela UFMG. Professor da PUC/MG. Autor de diversos livros e inúmeros artigos. 4.Assédio Moral no Contrato de Trabalho. Modalidades. Prevenção e Reparação. Prova. Ações Judiciais. SAINT-CLAIR LIMA E SILVA: Juiz do Trabalho na 15ª Região. Professor Titular da Faculdade de Direito do Centro Universitário Anchieta. 5.O direito do trabalho diante da “pejotização”. A liberdade de trabalho em confronto com os direitos sociais fundamentais do trabalhador. A Nova Lei do Microempreendedor (LC 128/09). O microempreendedor é autônomo ou empregado? Aspectos polêmicos e competência da Justiça do Trabalho. MAURO SCHIAVI: Juiz do Trabalho na 2ª Região. Especialista, mestre e doutorando em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor Convidado do Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da PUC/SP. Professor do Complexo Jurídico Damásio de Jesus. Autor de diversos livros e inúmeros artigos. |
Ação rescisória: o STF vem afastando sua Súmula nº 343 e provocando conflito com a Súmula nº 298 e OJ 101 da SDI-II, ambas do TST
(e-mail encaminhado pelo amigo Vinícius de Miranda Taveira)
"Vejam esta decisão anexa sobre a Súmula 343 do STF e a rescisória, relacionado com a força da coisa julgada e a supremacia da CF. Para mim foi novidade.
(Acesse aqui o acórdão noticiado)
Tem outra, abaixo, que afasta entendimento pacífico do TST, também sobre rescisória.... recente. Trata da desnecessidade de prequestionamento para cabimento na ação rescisória. Provavelmente deve gerar a alteração ou até revogação da OJ 101-SDI2 e Súmula 298 do TST.
Segundo o STF, não se exige prequestionamento para rescisória, por não ser recurso."
__________
Ministro Joaquim Barbosa deu provimento a a1gravo de instrumento e o converteu em recurso extraordinário para dar-lhe parcial provimento e afastar a exigência de prequesti-onamento na ação rescisória, determinando o retorno dos autos ao TST, onde deverá ter prosseguimento o julgamento da ação. O acórdão recorrido aduziu a seguinte ementa: “AÇÃO RESCISÓRIA. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. APOSENTADORIA. VIOLAÇÃO DE LEI. SÚMULA 298 DO TST. Para que se possa perquirir a viola-ção de preceitos de lei em ação rescisória, ainda que se trate de ação autônoma, é imprescindível que na sentença rescin-denda haja emissão de tese sobre a matéria trazida a lume na ação rescisória (Sumula 298 do TST). Dessa forma, não se viabiliza o acolhimento do pedido rescindente formulado com fulcro no art. 485, V, do CPC, haja vista que no acórdão rescindendo complementado pelos acordãos de Embargos de Declaração foi restabelecida a sentença de improcedência com fundamento na Orientação Jurisprudencial 177 da SBDI-1, vigente a época da prolação do decisum rescindendo, sem qualquer en-frentamento da matéria a luz dos arts 5º, II e XXXVI, 7º, I, 37, II e XVI, 102, § 2º, e 173, § 1º, II, todos da Constituição Federal de 1988. Pedido julgado improcedente.” Entendeu o relator que deve incidir, por analogia, a orientação firmada pelo Plenário do STF, no julgamento do RE 328.812-ED, de inaplicabilidade da Súmula n.º 343 do STF nos casos cuja matéria de fundo tenha cunho constitucional, mesmo que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida ou seja anterior à orientação fixada pelo Suprema Corte. Asseverou, ademais, que as Turmas do STF fixaram o entendimento de que “‘o requisito do prequestionamento não se aplica à ação rescisória, que não é recurso, mas ação contra a sentença transitada em julgado, atacável, ainda que a lei invocada não tenha sido examinada na decisão rescindenda’” (AR 732 Embargos, rel. min. Soares Muñoz, Plenário, DJ de 09.05.1980).”
domingo, 6 de março de 2011
A boa-fé e o novo Código Civil
José Fernando Simão (material repassado e grifado pelo amigo Fabio Vitale) | ||
Não é de hoje que se ressalta a importância do tema referente à boa-fé e seus desdobramentos no direito civil. Enquanto o Código Civil alemão de 1900 (famoso BGB - Bürgeliches Gesetzbuch), tratava da boa-fé em seu parágrafo 242 como uma cláusula geral, o Código Civil brasileiro de 1916 ignorou essa noção e opta por tratar da boa-fé de maneira específica, sempre vinculada a certos institutos (posse, casamento putativo). Indaga-se: o tratamento da boa-fé como cláusula geral tem algum reflexo no sistema jurídico? A resposta é afirmativa e é sobre isso que passamos a discorrer. A doutrina ensina que temos dois conceitos distintos de boa-fé com relação à sua natureza. A boa-fé subjetiva é aquela ligada a uma avaliação individual e equivocada de dados da realidade. Significa que o sujeito tem ou não ciência de algo. trata-se de um estado de consciência. É chamada pelos alemães de boa-fé crença (Gutten Glauben). A boa-fé subjetiva se opõe à má-fé e já estava disciplinada pelo Código Civil de 1916. Assim, é considerado possuidor de boa-fé para fins da indenização das benfeitorias, aquele possuidor que desconhecia os vícios da posse. Também, é considerado cônjuge de boa-fé para fins do casamento putativo aquele que desconhece o impedimento matrimonial apto a tornar o casamento contraído nulo ou anulável. A ciência do alienante quanto ao vício oculto do bem e o surgimento do dever de indenizar está ligada ao estado de consciência, e, portanto, à boa-fé subjetiva. Essas noções contidas no Código Civil de 1916 a respeito da boa-fé subjetiva são também reproduzidas no novo Código Civil. Já a idéia de boa-fé objetiva é uma regra ética de conduta. Tem um caráter normativo e se relaciona com o dever de guardar fidelidade à palavra dada. É a boa-fé lealdade (Treu und Glauben). É a idéia de não defraudar a confiança ou abusar da confiança alheia. Não se opõe à má-fé e não tem relação com a ciência que o sujeito tem da realidade. A boa-fé objetiva vem prevista no novo Código Civil como regra de interpretação (artigo 113) e com relação aos contratos (artigo 422). Entretanto, não podemos dizer que apenas com a promulgação do novo Código Civil, a boa-fé objetiva entra para o direito brasileiro. O Código de Defesa do Consumidor já traz em seu texto a idéia de boa-fé objetiva. Assim, a regra prevista no artigo 4º, inciso III daquele diploma cuida da boa-fé como norma de conduta. Exatamente por isso, e aqui mencionamos apenas um simples desdobramento da boa-fé objetiva nas relações de consumo, é irrelevante a ciência ou não do fornecedor quanto ao vício do produto para fins de indenizar o consumidor. Outro desdobramento é o dever de informar do prestador de serviços com relação aos riscos que o consumidor assume ao contratá-lo. Tem a boa-fé objetiva três funções: a ativa, a reativa e a interpretativa. | ||
Conforme explicamos em nosso último artigo, a boa-fé objetiva segue o princípio pelo qual cada pessoa deve agir com retidão, probidade, lealdade e honestidade. Trata-se de norma ética de conduta e não se opõe à má-fé (que está ligada ao estado de consciência, à avaliação individual da realidade e, portanto, à boa-fé subjetiva). Terminamos aquela artigo informando aos leitores que a boa-fé objetiva tem três funções distintas, conforme nos ensina ADALBERTO PASQUALOTTO: a ativa, a reativa e a interpretativa. A função ativa da boa-fé se verifica nos deveres acessórios ou secundários, ou seja, nos deveres que não surgem da vontade das partes (a prestação principal é que surge da vontade das partes), mas decorrem da boa-fé em si. São os deveres de lealdade, cooperação, informação e segurança. Façamos uma breve digressão a respeito de cada um deles. O dever de lealdade é aquele segundo o qual uma das partes não pode agir de maneira a causar prejuízo imotivado à outra parte. Trata-se em geral de uma abstenção que evita causar danos desnecessários ao outro contratante. O dever de cooperação é aquele que exige das partes certas condutas necessárias para que o contrato atinja seu fim, sendo que, em certos casos essa conduta de uma das partes só beneficia a outra contratante. Exemplo disso se dá quando uma das partes necessita obter o Alvará para iniciar a obra em um contrato de empreitada. O dever de informação é extremamente importante e já vinha disciplinado no Código de Defesa do Consumidor, com rígidas punições ao fornecedor que o descumprir (cf. regras sobre a publicidade enganosa). O contratante detentor de informações ignoradas ou imperfeitamente conhecidas pelo outro contratante deve fornecê-las, mesmo que tais informações lhe sejam prejudiciais. No caso dos prestadores de serviço como os médicos e advogados (que tem uma situação privilegiada em função de seus conhecimentos técnicos e profissionais) surge o dever de aconselhar. O último dos deveres é o de segurança. Trata-se do dever de garantir a integridade dos bens e direitos do outro contratante, em situações contratuais que possam oferecer perigo. Nesse caso, podemos citar o dever de fornecer aos funcionários os Equipamentos de Proteção Individual para a prevenção de acidentes. Mesma hipótese se verifica no dever que tem o Shopping Center de colocar um aviso “Cuidado Perigo de Escorregar”, após lavar o assoalho. Como se percebe, em certas situações, os deveres de conduta advém da própria lei (ex: Dever de informar o consumidor previsto no CDC) e em outras da relação contratual em si, mesmo que ausente previsão expressa. Independentemente da sua origem, todos tem por princípio a boa-fé objetiva e sua função ativa. Outro desdobramento da função reativa é a responsabilidade dos contratantes antes da celebração do contrato (até a sua conclusão), em sua execução e mesmo após o seu término (art. 422 do novo Código Civil). Essa responsabilidade não termina com o fim do contrato, pois então surge a responsabilidade decorrente da culpa post pactum finitum. Exemplo se dá no caso do consumidor que compra um sofá e a loja pontualmente entrega o bem na residência do comprador, mas no ato de entrega, estraga a pintura das paredes. A prestação do contrato foi cumprida (entrega do sofá) e extinto mas permanece a obrigação de reparar da empresa fornecedora (após o fim do pacto, post pactum finitum). | ||
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sábado, 5 de março de 2011
Teoria da transcendência faz decisões serem vinculantes
Para entender a teoria da transcendência dos motivos determinantes deve-se observar a diferença entre ratio decidendi e obter dictum. O segundo termo refere-se a comentários adjacentes, os quais não influem na decisão, ou seja, não geram efeitos extra processuais. Por outro lado, o primeiro termo, refere-se aos motivos que fundamentam a decisão, acarretando determinada sentença.
Dessa forma, conforme a teoria da transcendência dos motivos determinantes observa-se que a ratio decidendi passa a vincular outros julgamentos.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, decidiu que a eficácia vinculante das deliberações não se aplica tão somente à parte dispositiva do julgado, mas abrange também os próprios fundamentos determinantes da decisão (ratio decidendi).
Tradicionalmente, somente a parte dispositiva das decisões interlocutórias, das sentenças e das deliberações colegiadas é que são abrangidas pela eficácia preclusiva da coisa julgada, possuindo força vinculante sobre os litigantes e, eventualmente, sobre terceiros, no caso de previsão normativa de efeitos contra todos (erga omnes), a exemplo das sentenças proferidas em ações civis públicas.
O fenômeno da transcendência basicamente consiste no reconhecimento da eficácia que transcende o caso singular, não se limitando à parte dispositiva da decisão, de modo a se aplicar aos próprios fundamentos determinantes do julgado que o Supremo Tribunal Federal venha a proferir em sede de controle abstrato, especialmente quando consubstanciar declaração de inconstitucionalidade.
Significa que, na prática, os fundamentos da decisão do STF — a ratio decidendi— em sede de controle concreto ou abstrato de constitucionalidade vinculam o Poder Judiciário e Administração Pública à sua observância
Recentemente, o ministro Celso de Mello abriu uma exceção ao entendimento tradicional, alhures mencionado, ao conferir efeitos vinculantes inclusive para os fundamentos determinantes das deliberações da Corte Suprema, em se tratando de demandas de fiscalização abstrata.
Tal alteração na compreensão dos efeitos das decisões em controle de constitucionalidade apresenta-se como solução necessária à preservação a força normativa da Constituição, que resulta da indiscutível supremacia, formal e material, de que se revestem as normas constitucionais.
Ademais, no mesmo sentido, verifica-se a tese no voto do ministro Gilmar Mendes, na Reclamação 2.363/PA, defendendo o caráter transcendente e vinculante dos fundamentos determinantes de decisão do Supremo Tribunal Federal, in verbis:
“a aplicação dos fundamentos determinantes de um leading case em hipóteses semelhantes tem-se verificado, entre nós, até mesmo no controle de constitucionalidade das leis municipais. Em um levantamento precário, pude constatar que muitos juízes desta Corte têm, constantemente, aplicado em caso de declaração de inconstitucionalidade o precedente fixado a situações idênticas reproduzidas em leis de outros municípios. Tendo em vista o disposto no ‘caput’ e § 1º-A do artigo 557 do Código de Processo Civil, que reza sobre a possibilidade de o relator julgar monocraticamente recurso interposto contra decisão que esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, os membros desta Corte vêm aplicando tese fixada. A Transcendência dos Motivos Determinantes e a Força Normativa da Constituição em precedentes onde se discutiu a inconstitucionalidade de lei, em sede de controle difuso, emanada por ente federativo diverso daquele prolator da lei objeto do recurso extraordinário sob exame.”
Assim, o Supremo Tribunal Federal entende que o efeito vinculante das decisões proferidas em Ação Direta de Inconstitucionalidade apresenta eficácia que transcende o caso singular, não se limitando à parte dispositiva da decisão, de modo a se aplicar às razões determinantes da decisão proferida em controle concreto, bem como, em controle abstrato de constitucionalidade. Significa que, na prática, os fundamentos da decisão do STF – a ratio decidendi – vinculam o Poder Judiciário e Administração Pública à sua observância.
quinta-feira, 3 de março de 2011
Reconhecimento do vínculo de emprego e efeitos previdenciários
Das consequências jurídicas decorrentes do reconhecimento do vínculo empregatício na Justiça do Trabalho
Publicado em 01/2011
Com frequência são ajuizadas na Justiça do Trabalho reclamações trabalhistas visando, além do pagamento de verbas salariais, em especial o reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes para futura averbação do pleiteado tempo de serviço junto ao INSS para fins previdenciários.
Cumpre observar, de início, que a Justiça do Trabalho não é competente para conhecer, julgar e determinar ao INSS a averbação de tempo de serviço reconhecido em Juízo, mas apenas para executar de ofício, "isto é, sem nenhuma provocação, por de847terminação do próprio magistrado", como esclarece Sérgio Pinto Martins [01], as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a" , e II, da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir, conforme previsão do art. 114, VIII, da Lei Maior:
"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:( ... )VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;"
Com efeito, a decisão da Justiça do Trabalho que reconhece o vínculo laboral do reclamante terá validade na seara previdenciária apenas para fins de início de prova material em justificação administrativa ou judicial, conforme preceituado no art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91:
§ 3º . A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Esse entendimento é corroborado pelo próprio art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, que em seu § 1º. estabelece que "O disposto neste artigo não se aplica às ações que tenham por objeto anotações para fins de prova junto à Previdência Social", demonstrando de forma cristalina que os períodos contratuais reconhecidos pela Justiça Especializada servem apenas para fins probatórios junto ao Órgão Previdenciário, o que, aliás, não poderia ser diferente, não somente pelo fato do INSS, em regra, não figurar como parte na reclamação trabalhista ajuizada pelo trabalhador, vindo a integrá-la apenas na figura de terceiro interessado quando da discussão acerca de eventual contribuição previdenciária devida pelas partes, mas principalmente pela incompetência da Justiça do Trabalho para tanto por tratar-se de matéria previdenciária e não de lide entre o trabalhador e seu contratante.
E embora o inciso IX do artigo 114 da CF admita o processamento e julgamento perante a Justiça do Trabalho de "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, mas apenas na forma da lei", não há como incluir-se nesse dispositivo legal qualquer discussão acerca do reconhecimento do vínculo empregatício sob a pália justificativa de responsabilidade do Órgão Público por possível omissão na fiscalização da qual teria decorrido a relação empregatícia sem o devido registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS.
E realmente essa questão não poderia estar prevista em outra norma por tratar-se de questão previdenciária vinculada ao INSS, autarquia federal, portanto, com previsão constitucional de competência da Justiça Federal (art. 109, I, CF) — ou de competência delegada da Justiça Estadual na hipótese em que a comarca de domicílio do segurado não seja sede de vara do juízo federal (art. 109, § 3º, CF) —, o que vale dizer que a Justiça do Trabalho é incompetente "ratione materiae" para determinar qualquer averbação junto ao INSS de tempo de serviço reconhecido em reclamatória trabalhista.
Com efeito, não há que se falar em conflito entre o inciso IX do artigo 114 e o artigo 109, inciso I, e § 3º, todos da Constituição Federal, que harmonizam-se de acordo com o princípio da unidade da Constituição conforme asseverado por Sérgio Pinto Martins citando J. J. Canotilho, haja vista que "todas as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra-ordenação dentro da lei constitucional)" [02].
Ressalte-se que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho - TST é uníssona no sentido da incompetência da Justiça Especializada para determinar a averbação de tempo de serviço junto ao INSS para fins previdenciários, conforme inteligência do art. 109, I, e 114, VIII, da CF. Confira-se as seguintes ementas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. Agravo de instrumento a que se dá provimento, para determinar o processamento do recurso de revista, uma vez que foi demonstrada possível afronta ao artigo 109, I, da Constituição Federal.RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO, PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. A Justiça do Trabalho não detém competência material, para determinar a averbação de tempo de serviço do empregado, junto ao INSS, para fins previdenciários.(TST-RR 176140-38.2002.5.15.0045 - Data de Julgamento: 07/12/2010, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/12/2010).I - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. OMISSÃO VERIFICADA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM JUÍZO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. Embargos declaratórios a que se dá provimento, com eficácia modificativa, para dar provimento ao agravo de instrumento, por possível violação do art. 114, VIII, da Constituição Federal. Decisão regional em que se determinou à União a averbação do tempo de serviço prestado pelos Autores, em relação ao período dos vínculos empregatícios reconhecidos em Juízo, para fins previdenciários. Agravo de instrumento a que se dá provimento, observando-se o disposto na Resolução Administrativa nº 928/2003.II - RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM JUÍZO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS. Cinge-se a controvérsia a estabelecer se compete à Justiça do Trabalho (ou não) determinar a averbação do tempo de serviço relativo ao período do vínculo reconhecido em Juízo. Da análise dos arts. 109, I, e 114, VIII, da Constituição Federal, concluiu-se que a Justiça do Trabalho não tem competência para tanto, uma vez que a questão diz respeito à relação previdenciária, em que figuram nos pólos o INSS e seus segurados, não podendo ser incluída no conceito de relação de trabalho. Extrai-se, portanto, dos preceitos constitucionais mencionados, a competência da Justiça Federal e, excepcionalmente, da Justiça Comum, no caso de a comarca não ser sede de Vara do Juízo Federal. Nesse sentido, também é o atual entendimento firmado pela jurisprudência desta Corte Superior. Precedentes. Recurso de Revista a que se dá provimento.(Processo: RR - 193540-31.2003.5.15.0045 Data de Julgamento: 01/12/2010, Relator Ministro: Fernando Eizo Ono, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/12/2010).
Por fim, cumpre assinalar que a Seção de Dissídios Individuais-2 do TST há muito firmou seu entendimento no sentido da incompetência da Justiça do Trabalho para determinar a averbação de tempo de serviço pelo Órgão Previdenciário, como se verifica da sua Orientação Jurisprudencial nº. 57:
OJ/SDI2 – 57 - MANDADO DE SEGURANÇA. INSS. TEMPO DE SERVIÇO. AVERBAÇÃO E/OU RECONHECIMENTO. (Inserida em 20.09.00)Conceder-se-á mandado de segurança para impugnar ato que determina ao INSS o reconhecimento e/ou averbação de tempo de serviço.
Outrossim, ressalte-se que o reconhecimento na Justiça do Trabalho do vínculo empregatício sem o devido registro na CTPS do contratado/reclamante, ou a averbação a menor do salário deste, configura fato típico penal previsto no art. 297, "caput", do Código Penal, e §§ 3º e 4º, incluídos no "codex" pela Lei 9.983/2000:
Art. 297. Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.( ... )§ 3º Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.§ 4º Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3º, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Nesse contexto, observa-se que face a incompetência da Justiça Obreira para determinar a averbação de tempo de serviço reconhecido em reclamatória trabalhista, para os fins pretendidos deverá o reclamante munir-se de cópia da decisão judicial trabalhista e pleitear junto ao INSS a justificação administrativa para reconhecimento desse laspo temporal, ou ainda perante a Justiça Federal (art. 109, I, CF) ou Estadual na ausência desta na localidade (art. 109, § 3º, CF), consoante disposto no § 3º do art. 55 da Lei 8.212/91.
Entretanto, para possibilitar a inclusão dos valores recolhidos na reclamatória trabalhista nos registros previdenciários do segurado, pois vincula-se diretamente ao sistema previdenciário social aquele que pratica o fato previdenciário que mantém liame com o fenônemo "trabalho" segundo Fábio Lopes Vilela Berbel [03], deverá ser comprovado o recolhimento das contribuições sociais respectivas através de Guia da Previdência Social–GPS, mais a respectiva Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social – GFIP (art. 32, IV, e § 2º da Lei 8.212/91; e art. 225, IV, e § 1º do Decreto nº 3.048/99), por tratar-se, nos termos do art. 113 do Código Tributário Nacional - CTN, de obrigação tributária acessória, ou seja, "um meio de a autoridade administrativa controlar a forma pelo qual foi determinado o montante do tributo" segundo Láudio Camargo Fabretti [04].
Ainda, como consequência do reconhecimento pela Justiça do Trabalho do vínculo empregatício do contratado ou do real valor do salário que lhe era pago, nesse caso superior àquele sobre o qual eram recolhidas as contribuições sociais, deverá o Juiz do Trabalho, de ofício, após o trânsito em julgado da decisão judicial ou da avença entabulada entre as partes, oficiar ao Ministério Público Federal dando-lhe ciência desses fatos, para que assim o "Parquet" possa tomar as providências cabíveis que lhe compete no campo penal, tendo em vista tratar-se o crime de falsificação de documento público de ação pública incondicionada (art. 297 do Código Penal).
REFERÊNCIAS
BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São paulo: Quartier Latin, 2005.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
MARTNS, Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
Notas
- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p.261.
- MARTNS, Sérgio Pinto. Execução da Contribuição Previdenciária na Justiça do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 29
- BERBEL, Fábio Lopes Vilela. Teoria Geral da Previdência Social. São paulo: Quartier Latin, 2005, p. 154.
- FABRETTI, Láudio Camargo. Código Tributário Nacional Comentado. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 143.
Sobre o autor
-
Daniel Guarnetti dos Santos
Procurador Federal lotado no Escritório de Representação em Bauru/SP da Procuradoria-Regional da 3ª. Região (Procuradoria-Geral Federal/AGU), com pós graduação lato sensu em Direito Previdenciário pela FAAT-Londrina sob coordenação do Dr. Wagner Balera e corpo docente da PUC/SP; pós graduação lato sensu em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP/LFG; pós graduação lato sensu em Direito Processual pela UNISUL/LFG;pós graduando lato sensu em Direito Público pela Universidade Anhanguera/LFG; curso de extensão em Direito Imobiliário pela PUC/RJ; curso de extensão em Direito Tributário pela ITE-Bauru/SP; Professor do Curso de Formação de Procuradores Federais do Centro de Estudos Victor Nunes Leal da AGU em 2002/2003.
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
SANTOS, Daniel Guarnetti dos. Das consequências jurídicas decorrentes do reconhecimento do vínculo empregatício na Justiça do Trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2766, 27 jan. 2011. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18363>. Acesso em: 29 jan. 2011.
quarta-feira, 2 de março de 2011
Grupo econômico - Requisitos
GRUPO ECONÔMICO. Requisitos. A configuração do grupo econômico no campo do Direito do Trabalho difere dos outros ramos do Direito. Para o Direito do Trabalho, a noção de grupo econômico dispensa formalidades próprias do Direito Comercial. Basta a comprovação de que as empresas atuam sob controle, direção ou administração de outra, ou mesmo em coordenação, e que exploram atividade econômica, conforme § 2º do art. 2º da CLT. A gestão compartilhada entre empresas comprova o grupo econômico.
terça-feira, 1 de março de 2011
Execução das contribuições previdenciárias na Justiça do Trabalho
Abaixo está um link para acórdão da relatoria do (saudoso) Min. Menezes Direito, através do qual se reconheceu a repercussão geral do tema da execução da contribuição previdenciária decorrente das decisões proferidas na Justiça do Trabalho.
Vale lembrar que esse tema coloca em rota de colisão a Súmula 368 do TST e o art. 876, § único, da CLT, com a ressalva de que o posicionamento do STF foi pela validade do entendimento exarado na Súmula 368 do TST.
Aproveito para transcrever o voto do Min. Marco Aurélio, que ilustra a questão com poucas e sábias palavras e que consta na íntegra do acórdão que vai disponibilizado logo abaixo. Eis o excerto:
"Presidente, a competência da Justiça do Trabalho mostra-se de direito estrito. É o que se contém na Constituição Federal. Quanto às contribuições sociais, essa competência as revela acessórias, ou seja, não se pode cogitar da execução de ofício pela Justiça do Trabalho sem haver o principal: a condenação do empregador nas verbas trabalhistas. Ora, toda e qualquer execução pressupõe obrigação certa, líquida e exigível. Evidentemente, não se pode elastecer a competência da Justiça do Trabalho a ponto de apanhar até mesmo ações voltadas à cobrança em geral das contribuições sociais.
O verbete do Tribunal Superior do Trabalho, na versão final - porque a primitiva era mais abrangente -, é harmônico com a Constituição Federal."
http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?id=568701
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Imposto de Renda - Instrução Normativa RFB nº 1.127, de 7 de fevereiro de 2011
A tributação do IR decorrente das decisões da Justiça do Trabalho segue agora a regra da Instrução Normativa RFB nº 1.127, de 7 de fevereiro de 2011.
Veja um trecho da IN 1127 que é de grande importância para o Processo do Trabalho. Trata-se do seu art. 2º, abaixo:
CAPÍTULO I
DOS RRA RELATIVOS A ANOS-CALENDÁRIO ANTERIORES AO DO RECEBIMENTO
Seção I
Dos RRA Decorrentes de Aposentadoria, Pensão, Transferência para a Reserva Remunerada ou Reforma,Pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e os Provenientes do Trabalho
Art. 2º Os RRA, a partir de 28 de julho de 2010, relativos a anos-calendário anteriores ao do recebimento, serão tributados exclusivamente na fonte, no mês do recebimento ou crédito, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês, quando decorrentes de:
I - aposentadoria, pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma, pagos pela Previdência Social da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios; eII - rendimentos do trabalho.
§ 1º Aplica-se o disposto no caput, inclusive, aos rendimentos decorrentes de decisões das Justiças do Trabalho, Federal, Estaduais e do Distrito Federal.
§ 2º Os rendimentos a que se refere o caput abrangem o décimo terceiro salário e quaisquer acréscimos e juros deles decorrentes.
Para visualizar a íntegra da IN 1127 da RFB, clique no link abaixo:
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Justiça gratuita pela Lei nº 1.060/50 e isenção do depósito recursal
O tormentoso tema da isenção do recolhimento do depósito recursal na Justiça do Trabalho tem dividido opiniões há muito tempo. Há quem sustente a natureza de garantia da futura execução do crédito laboral, assim como há entendimento de que a isenção do depósito recursal não pode aproveitar ao empregador, salvo se com comprovação de dificuldade econômica, situação esta autorizadora apenas da concessão dos benefícios da justiça gratuita e não da isenção do depósito recursal.
Essa discussão aumentou em efervescência com o advento da Lei Complementar nº 132, de 7.10.09, que incluiu um inciso (inciso de nº VII) no art. 3º da Lei nº 1.060/50, para dispor que a concessão dos benefícios da justiça gratuita (ou assistência judiciária diversa daquela prevista na Lei nº 5.584/70) passa a compreender os depósitos previstos em lei para a interposição de recursos. Assim dispõe o art. 3º, VII da Lei nº 1.060/50:
Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:
... (omissis)
VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório. (Incluído pela Lei Complementar nº 132, de 2009).
No fórum de discussões da internet PARTILHANDO foram levantados os seguintes entendimentos sobre essa temática:
1) A isenção recursal criada através da LC nº 132/09 não tem aplicação na Justiça do Trabalho;
2) A novel isenção recursal conflita com a natureza de garantia da futura execução do crédito laboral na Justiça do Trabalho;
3) O empregador não pode se valer da isenção de depósito recursal, por falta de autorização legal; e
4) Deve ser aplicada a isenção prevista pela LC nº 132/09, a partir de sua vigência, sem distinção de beneficiário, se empregado ou empregador, pois onde a lei não disse não caberia ao intérprete fazê-lo.
Cumpre ressaltar um ponto que passou ao largo da discussão: a IN nº 3, do TST, com sua alteração efetuada pela Resolução nº 168, de 9 de agosto de 2010 - DEJT 16.8 e 7.10.10.
Esta atualização da IN nº 3, do TST, teve como objetivo maior a adaptação à nova lei do agravo de instrumento e a consequente imposição do depósito de 50% do valor do depósito do recurso ao qual se pretende destrancar.
No entanto, dita IN nº 3, do TST, afirma, em seu item X, que não é exigido o depósito recursal, dentre muitos contemplados, como aqueles previstos no Decreto-Lei nº 779/69, aos que receberem assistência judiciária integral do Estado (CF, art. 5º, LXXIV). Vejamos seu teor:
X - Não é exigido depósito recursal, em qualquer fase do processo ou grau de jurisdição, dos entes de direito público externo e das pessoas de direito público contempladas no Decreto-Lei n.º 779, de 21/8/1969, bem assim da massa falida, da herança jacente e da parte que, comprovando insuficiência de recursos, receber assistência judiciária integral e gratuita do Estado (art. 5º, LXXIV, CF).
Percebe-se, com isso, que há fundamento legal (Lei nº 1.060/50, art. 3º, VII) e normativo (TST, IN nº 3, inciso X) para a isenção do depósito recursal, sem distinção dos beneficiários, se empregados ou empregadores. Note-se que nem a lei, muito menos a Instrução Normativa, fazem distinção acerca dos beneficiários desta isenção, o que leva à conclusão de que é possível se falar em isenção do depósito recursal na Justiça do Trabalho, nos casos aqui demonstrados.
Obviamente que o tema é ácido e que se mostra distante de um ponto de pacificação. Porém, isso não nos impede de fazer uma análise técnica sobre o tema e, com isso, tentar comprovar que há fundamento legal e normativo para a aplicação da isenção recursal em caso de justiça gratuita nos processos que tramitam na Justiça do Trabalho.
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